Aires de Sousa Loureiro 1-Dez-2011
Enquanto esperamos pela publicação da legislação sobre a reabilitação urbana, já aprovada pelo Governo transcrevem-se as considerações seguintes, expostas sob forma de carta dirigida ao Presidente e à Vereação da Câmara Municipal de Lisboa.
Chamo-me Aires de Sousa Loureiro, magistrado de profissão, pequeno proprietário imobiliário em Lisboa, sou presidente do Conselho Fiscal da Associação Nacional de Proprietários e já fui director[1] da Associação Lisbonense de Proprietários, de que sou actualmente simples sócio. Empenhei-me na saga da alteração do regime de arrendamento urbano, apresentando aos órgãos de soberania e individualmente a titulares de cargos públicos importantes, propostas, petições, sugestões, e exprimi as minhas opiniões em várias conferências, artigos de opinião em revistas imobiliárias e em alguns jornais. Acho oportuno intervir agora com a presente exposição.
O regime de arrendamento que passou para o Código Civil é razoável, embora careça de retoques, como por exemplo, onde estabelece o prazo mínimo de arrendamento para habitação em cinco anos.
Mas o regime transitório do NRAU, referente aos arrendamentos ditos «antigos», que são a causa do bloqueio do arrendamento e da reabilitação, é mau. Não vou aqui analisar em que é que é mau, porque julgo que isso é evidente e já toda a gente percebeu que tal regime é um erro-obstáculo.
Os diplomas conexos ao NRAU decorrem dessa filosofia errada e são um amontoado de erros em formato legal.
Julgo saber que o Município de Lisboa quer enfrentar o ciclópico problema da reabilitação urbana, mas do que julgo saber acho que se prepara para cometer novos erros, cujo resultado será o endividamento municipal em favor de alguns grupos de proprietários, mas sem resolver significativamente o problema geral da degradação imobiliária.
É que esse problema só pode ser enfrentado e resolvido pelos respectivos proprietários, na medida em que tenham interesse nisso. Para terem interesse nisso tem que lhes ser devolvida a plenitude da propriedade dos seus imóveis, que hoje se encontram numa situação de enfiteuse invertida, traduzida em os inquilinos serem os verdadeiros donos e ao proprietário estar reservada uma renda meramente simbólica e a responsabilidade pelo imóvel e pelo pagamento das taxas e impostos. Se este é o problema, a única solução correcta será a que atacar o problema em vez de o prolongar e tentar amenizar.
Então, a meu ver, os Ex.mos autarcas o que devem fazer é convencer o Governo a, mediante autorização da AR, alterar o regime transitório do arrendamento urbano, de modo que num prazo razoável, e.g. 5 anos, seja devolvida aos proprietários a propriedade actualmente usurpada. Se se quiser ter contemplação pelos actuais inquilinos dos imóveis, então conceda-se-lhes o direito de preferência em novo arrendamento e aos realmente pobres atribua-se-lhes adequado subsídio de renda, que, onde se justificasse poderia ir até à totalidade da renda. Os não pobres pagariam a justa renda, como há muito deveriam pagar. Assim, as autarquias e o IHRU poupariam muitos milhões de euros e a reabilitação urbana andaria muito mais depressa.
A par da restituição da propriedade aos donos e do subsídio de renda aos inquilinos efectivamente carentes, institua-se uma linha especial de crédito hipotecário com juros não usurários e não se aumente o IMI em função das obras.[2]
Os subsídios (dinheiro dado!) para obras são um desvio legal mas injusto de dinheiro público a favor de alguns particulares e nem sempre a favor daqueles que sofreram os efeitos da iniquidade do regime de arrendamento urbano. Pense-se, p. ex., naqueles muitos casos de oportunistas que compraram os imóveis a proprietários amedrontados, por preço irrisório, e que agora se agitam a reclamar subsídios para reabilitação, pretendendo assim ficar com valiosos imóveis, à custa alheia, primeiro à custa do primitivo proprietário amedrontado e depois à custa dos dinheiros públicos do município e do IHRU!
É certo que quem apenas quisesse angariar votos, estaria no bom caminho ao satisfazer todos esses oportunistas, inquilinos e proprietários, mas isso seria uma enorme cobardia e uma traição à Nação[3] Portuguesa.
Criados assim os pressupostos da motivação para os proprietários fazerem as obras nos seus prédios, considere-se agora aquela minoria que, mesmo com condições para isso, não se quer incomodar e deixará cair os seus prédios aos bocados. Pois será aí que faz sentido a intervenção pública, designadamente por parte do município. Essa intervenção pode consistir em o município se substituir ao proprietário na realização das obras, cobrando-lhe depois coercivamente as quantias despendidas, ou na expropriação do imóvel mediante justa indemnização e por interesse público relevante, que é a segurança, salubridade e estética dos edifícios e das cidades.
Em suma: 1. Restituição dos prédios aos seus donos nominais, acabando-se com os ditos “arrendamentos antigos”. 2. Direito de preferência em novo arrendamento aos actuais inquilinos desses prédios. 3. Subsídio de renda adequado aos inquilinos que dele careçam. 4. Crédito hipotecário aos proprietários para obras. 5. Não aumento do IMI em função das obras.[4] 6. Obras coercivas, a expensas dos proprietários, quando estes se desleixem, apesar de já disporem de condições para fazerem as obras necessárias. 7. Expropriação em casos limite, através de um ente público, por interesse público e mediante justa indemnização.
Assim acabarão à volta da reabilitação urbana os oportunismos, golpismos e outras pragas, o comércio imobiliário reanimar-se-á e com ele o mercado de arrendamento, e a reabilitação urbana começará a andar em bases sérias e sólidas.
Post-scriptum:
Quanto ao IMI, aquela coisa einesteiniana frustrada que é o CIMI deveria ser revista para se transformar em algo mais simples e razoável. É um contra senso, p. ex., que o IMI de um prédio seja agravado em função de um coeficiente de qualidade e conforto, porque isso é um incentivo à construção de má qualidade e uma penalização da boa construção.
Os limites da moldura da taxa do IMI devem baixar, para que o IMI não seja uma verdadeira renda. Faça-se a avaliação geral do imobiliário, pondo-se tudo a pagar pela mesma bitola, e baixe-se a taxa. Assim, os que não pagam quase nada pagarão alguma coisa e os que pagam demais pagarão menos, estabelecendo-se a equidade e não haverá perda de receita. Por outro lado, a avaliação do património e a cobrança do IMI deve passar para as atribuições dos municípios, pois não se justifica a tutela (ou colonização?) do Fisco nessa matéria. [1] Nos estatutos da ALP designam-se directores os membros da Direcção, que elegem entre si um Presidente. [2] Não é justo dar qualquer benefício no IMI. O que é justo é não penalizar por causa das obras. [3] Se a palavra “Nação” não for considerada democraticamente pura, leia-se então “Povo” ou “Pátria” [4] Não deve haver isenções de IMI, porque isso será um subsídio encapotado. |