Artur Soares Alves 30-Jun-2011
Quando um cidadão recebe uma quantia como resultado do seu trabalho, de um negócio ou simplesmente da boa sorte, ele tem duas opções: (1) consumir a totalidade da receita; ou (2) consumir uma parte que considera indispensável e guardar a outra parte que considera desnecessário consumir de imediato. No segundo caso temos o exercício do fenómeno designado por poupança. Assim, a poupança é um acto de sacrifício que adia o consumo hoje a favor de um consumo futuro e incerto.
De onde vem a racionalidade deste sacrifício? O que leva o quidam a adiar o seu consumo, isto é, adiar o seu prazer imediato a favor de um prazer futuro?
O que leva o cidadão a este acto de sacrifício é a esperança de que a recompensa que vai receber no futuro seja maior do que a perda motivada pelo adiamento do consumo. Se olharmos para quatro motivos para poupar concluímos imediatamente pela verdade desta afirmação:
a) a possibilidade de alguém na família adoecer e ter que recorrer a tratamentos caros ou eventual paragem do trabalho; b) reunir dinheiro para dar como entrada para uma compra de valor elevado e que não pode ser conseguida com crédito a 100%; c) assegurar uma velhice confortável e independente; d) financiar os estudos dos filhos ou proporcionar-lhes um pecúlio para o começo de vida.
Qualquer destes objectivos se consegue unicamente através da poupança própria ou, se as condições o favorecerem, através da poupança alheia… neste caso, pelos saques efectuados sobre esta!
Interesse colectivo na poupança
O indivíduo tem interesse próprio na poupança, mas será que a sociedade beneficia com a poupança individual? Deixemos de lado a forma mais directa de poupança representada na imagem simplista do “avarento” que guarda o seu tesouro no cofre. Este caso exige um tratamento mais argumentado e que está fora do escopo deste artigo. Falemos do indivíduo que coloca as suas poupanças em dinheiro no banco para que este a guarde e obtenha algum rendimento.
O banco vai emprestar esse dinheiro aos empreendedores que precisem de capital para aumentar a rendibilidade dos seus negócios. Quer isto dizer que a quantia poupada, em vez de servir para comprar bens de consumo, serve para comprar bens de capital. Com a poupança diminui a produção de bens de consumo, mas aumenta a produção de bens de capital[i]. Os bens de capital são o factor que aumenta a produtividade do trabalho e permite uma subida sustentada dos salários e dos rendimentos.
Daqui se conclui que a poupança é virtuosa, tanto para o indivíduo a quem salva das necessidades, como para a sociedade que fica isenta de prestar assistência ao mesmo indivíduo; como sobretudo para a economia porque aumenta a produtividade e os rendimentos.
Nem toda a poupança é guardada nos bancos. O aforrador pode investi-la directamente comprando acções ou obrigações, com o mesmo resultado. Ou pode comprar prédios que coloca no mercado de arrendamento. No caso do arrendamento comercial pode ver-se com clareza a vantagem que tem o comerciante em arrendar, colocando todos os seus recursos no negócio, no seu core business como dizem as pessoas que sabem da matéria.
Um país que tem uma ética de trabalho e poupança não pode deixar de progredir, conhecendo cada geração um nível de vida superior ao da anterior. O acto de poupar é um acto de civilização, próprio do desenvolvimento da capacidade de raciocínio abstracto do Homem, que consegue imaginar essa abstracção que é o futuro. A poupança é o processo que nos permitiu passar da fase recolectora em que só contam as necessidades imediatas, para a agricultura em que os recursos alimentares se planeiam para o futuro. Porém, a poupança só pode cumprir esses objectivos superiores sob um regime de respeito pelo direito de propriedade. Ninguém trabalha, ninguém poupa se não puder colher os frutos do seu sacrifício.
Desincentivo à poupança
O mínimo que se pode dizer é que o Estado português há mais de quarenta anos que desincentiva a poupança. Ao lado disso criou uma série de mecanismos de ilusão, assim chamados porque a sua sustentabilidade é duvidosa.
O primeiro acto contra a poupança foi a aceleração da inflação que começou com as promessas do estado social de Marcello Caetano. Este acelerar da inflação não foi nada diante do que aconteceu depois de 1974 mas, mesmo com Caetano, a lógica da popularidade não deixaria de pagar-se com inflação. Isto é, com um saque sobre as poupanças. A inflação diminui o valor do dinheiro, empobrece o aforrador e incentiva o consumo “antes que as coisas fiquem mais caras”.
O desincentivo à poupança manifesta-se no imposto sobre aplicação de capitais, actualmente 21,5% sobre o juro recebido mas que, de facto, incide sobre ganhos que não existem. Se a taxa de juro for 3% e a taxa de inflação for 3%, o quidam não ganha um pataco mas nem por isso deixa de pagar imposto. A poupança faz-se à custa da perda do valor real do dinheiro.
Em 1974 liquidou-se o arrendamento que era um meio excelente de corporizar a poupança; até esse ano metade da habitação construída destinava-se a arrendar. Essa percentagem caiu rapidamente para 7% em 1977 e veio descendo sempre. Conhecemos bem o porquê desta evolução, o Estado congelou as rendas e inflacionou a moeda empobrecendo violentamente os proprietários nos anos seguintes a 1974. Hoje, muita gente se preocupa com o que lhe vai acontecer no dia em que não possa mais trabalhar, porque não vê modo de corporizar a sua poupança.
Porém, há quem diga que esta preocupação é sem motivo. O cidadão desconta todos os meses cerca de 27% do seu salário real para a Segurança Social, entre o que ele paga directamente e o que a empresa paga em nome dele. Afinal, parece que existe aforro e 27% não é uma pitada... A questão é que estes descontos não são poupança, são um imposto que se destina a pagar as pensões dos actuais aposentados. O que este imposto tem de particular é que ele contém a promessa de uma pensão vagamente proporcional aos descontos efectuados — é o célebre pacto das três gerações. Mas tudo isso está no domínio do discricionário. Em anos bons, o governo pode aumentar as pensões para valores que agradem ao eleitorado, em anos maus corta-se como estamos a assistir.
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Pelo menos daqui retira-se uma lição. Os sabedores explicaram aos Portugueses que isso do direito de propriedade e da poupança são relíquias do passado, que agora é o comércio que faz o progresso, que existem alternativas de investimento mais interessantes do que os bens de raiz, que o Estado assegura o futuro, etc. Mas não deixaram de precatar-se com investimentos financeiros que não estão alcance de qualquer cidadão.
Contudo, os outros, os que acreditaram, são quem vai ter que lidar com pensões de reforma que se fazem cada vez mais pequenas e mais raras. [i] Efectivamente os salários recebidos pelos produtores de bens de capital reentram na compra de bens de consumo mas este facto não é central na argumentação. |