Propostas de Revisão da Legislação relacionada com o Arrendamento Urbano
Direcção da Associação Nacional de Proprietários 20-Out-2011
O memorando da Troika afirma no seu ponto 6.1: O Governo vai apresentar medidas para alterar a Nova Lei de Arrendamento Urbano, Lei 6/2006, para garantir um equilíbrio de direitos e obrigações dos senhorios e inquilinos, tendo em conta os mais vulneráveis socialmente (3.º trimestre de 2011).
Como o prazo para apresentação de medidas pelo Governo terminou em 30 de Setembro de 2011 — último dia do 3.º trimestre — e se desconhece completamente qual o sentido que virão a ter essas medidas, não podemos deixar de dar a conhecer a proposta de correção do Código Civil (na parte aplicável aos arrendamentos) e do NRAU, alterações que a ANP em devido tempo apresentou ao Governo.
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Trata-se de uma proposta equilibrada, realizada com prudência e respeitando os interesses legítimos[i] em causa.
O texto que se segue foi preparado por um grupo de trabalho constituído por três associados da ANP, eles próprios proprietários e senhorios, profundos conhecedores dos inúmeros problemas do arrendamento. O texto inicial foi depois discutido numa reunião mais alargada dentro da Associação e mereceu um consenso geral, pesem embora as divergências fundamentadas que se manifestaram.
Procurou-se responder à seguinte questão:
· Quais as modificações que deverá sofrer a legislação do arrendamento para atrair investidores que coloquem no mercado habitação em condições de conforto e a preços acessíveis?
Tal como no passado, os potenciais investidores podem provir de todos os sectores da sociedade, incluindo aqueles cujos prédios foram sujeitos a uma degradação forçada e a quem faltam os meios para recomeçar. Não é propósito deste documento repisar a tragédia do congelamento das rendas, mas ninguém de boa fé nega que esta tragédia paira e pairará sobre o problema.
Ressalvado este aspecto, no essencial a resposta é:
· A relação contratual entre inquilino e senhorio deverá ser reequilibrada, abstendo-se o Estado de favorecer uma das partes, que desde há um século tem sido sistematicamente o inquilino.
Isto resume a questão. Onde uma das partes, na letra da lei, na aplicação da lei e no plano dos factos, tem para si todas as vantagens a moralidade pública sai prejudicada e a economia sofre. O Estado deixa de ser árbitro para ser parte interessada, abandonam-se os princípios em troca dos expedientes.
Este estudo está dividido em três secções, para além deste preâmbulo que constitui a seção 1. Na secção 2 apresentam-se propostas de alterações simples à parte da legislação que pertence ao Código Civil. São alterações que pretendem limpar da legislação algumas manifestações desse enviesamento contra o proprietário a que se aludiu acima. Um exemplo é o direito de preferência do arrendatário. Outro é o prazo mínimo dos contratos habitacionais, 5 anos.
Correção das rendas congeladas
Esta matéria dominou o problema do arrendamento a partir de 1914, quando o eclodir da Grande Guerra serviu de pretexto para o congelamento das rendas urbanas. Continua a ser o factor de maior desequilíbrio de direitos entre senhorios e inquilinos e continua a ser a pedra de toque para qualquer legislação que pretenda reformar o arrendamento. Nesta proposta tem-se em conta a inflação que foi o factor determinante para o empobrecimento dos proprietários e os valores ridículos das actuais rendas congeladas.
Por isso, à imagem da lei espanhola de 1994, propõe-se que as rendas congeladas sejam corrigidas pelo coeficiente de desvalorização da moeda, calculado a partir do índice de preços no consumidor, sem habitação. Não se trata aqui de alcançar o mirífico valor de uma renda "justa", nem sequer trazer as rendas congeladas para os valores actuais de mercado. Várias simulações feitas com valores reais tendem a mostrar que as rendas corrigidas pela desvalorização da moeda iriam para metade do valor de mercado, este estimado pelas rendas actuais de prédios em iguais condições.
Todavia, pensa-se que estas correções já iriam reequilibrar a relação contratual de arrendamento e sobretudo iriam acabar com as situações de inquilinos, habitacionais ou não-habitacionais, que mantêm os locais ocupados sem lhes dar o devido uso, apenas porque a renda é ridiculamente baixa. Em todo o caso, o Governo possui informações sobre os inquilinos e os seus rendimentos e pode muito bem estabelecer critérios de correcção mais consentâneos com a realidade económica. O que tem que ficar inequivocamente claro é que qualquer correção que fique abaixo da correção monetária não é uma verdadeira correção e será mais um acto fútil.
Ainda sobre a correcção das rendas congeladas correm notícias alarmantes sobre o impacto social de legislação que se prepara. Estamos em crer que estes rumores alarmistas se destinam a provocar uma rejeição na opinião pública de forma a poder manter-se tudo como está, a favor dos interesses egoístas de alguns privilegiados. O que nós temos a dizer é que a correcção das rendas não deve deixar ninguém sem morada. Mas, para uma pessoa sozinha, entre viver num apartamento com 100 m² por 30 euros e viver ao relento, existem múltiplas soluções que se encontram na negociação entre inquilinos e senhorios. Porém, para haver negociação é preciso que os direitos não estejam todos de um mesmo lado, como acontece hoje com as rendas congeladas.
Fiscalidade
Neste estudo não tratamos do problema da fiscalidade, que irá tornar-se cada vez mais agudo à medida que os impostos forem sufocando a economia. Pequenas alterações na fiscalidade — e também pequenas alterações nas aprovações de obras — iriam permitir repor no mercado habitações, quer as libertadas pelo reequilíbrio do mercado, quer aquelas que estão já há longo tempo a deteriorar-se porque não há confiança, nem capital, para as reabilitar.
Neste campo o que resta é esperar que os governantes venham a compreender que uma fiscalidade moderada tem efeitos positivos na economia mas, de imediato, haveria que anular as disposições que são discriminatórias contra o arrendamento[ii].
Despejo
Em qualquer negócio o mau pagador é um problema muito grave e que não atinge somente o vendedor. Na realidade, para não soçobrar, este é obrigado a repartir as dívidas por aqueles que pagam bem. Tal como nos hipermercados o cliente honesto tem que pagar os roubos que os habilidosos conseguem fazer, apesar dos sistemas de segurança sofisticados. Portanto, é do interesse público dissuadir o inquilino a ser caloteiro, pelo menos, devolvendo rapidamente o local ao seu proprietário para que reentre na oferta.
Reconhece-se como honesta a proposta do anterior Governo. De facto, muitas vezes nos interrogamos: há um contrato escrito, não há recibos, nem qualquer prova de pagamento; onde está a dúvida ao ponto de fazer perder tempo ao tribunal com o assunto? A resolução do caso por alguém com formação jurídica resolveria 90% das situações. Em contrapartida, seríamos nós os primeiros a aprovar medidas punitivas contra senhorios que tivessem tirado partido da fraqueza do inquilino.
Organização do texto
Por razões de clareza seguiram-se a par e passo os textos legais. Para os artigos cuja revisão é urgente, enuncia-se a actual formulação, comenta-se e propõe-se uma nova redacçãoem itálico. Será a norma a seguir, salvo casos evidentes. Faremos uma diferença entre atualizar e corrigir; refere-se a primeira ao acto anual de aumento das rendas de acordo com a inflação anual, refere-se a segunda ao acto excecional que pretenderá acabar de vez com os problemas causados pelas rendas congeladas, ainda que o objectivo não seja a realização de um conceito puro de justiça.
[i] E, vamos lá, algumas vezes até os interesses ilegítimos dos inquilinos. A pobreza nem sempre é resultado da fatalidade, ela é muitas vezes uma má escolha ditada pela indolência. Não é possível, nem útil, tirar efeitos práticos desta distinção. Todavia, ela fica registada em roda-pé pelo seu valor moral. [ii] Um exemplo ostensivo. O inquilino deixa de pagar, o proprietário tem que recorrer a um advogado para conseguir reaver o local, que as rendas vencidas raramente se recuperam. Os serviços do advogado e os custos do tribunal são impostos ao proprietário pela natureza do negócio, todavia, o Estado recusa-se a reconhecê-los como despesas em sede de IRS. |