Artur Soares Alves 19-Jul-2012
Indo pesquisar no Google o assunto “propriedade e liberdade” encontram-se várias páginas Web, estando esta em terceiro lugar. Por exemplo, aqui, aquiou aqui. Sob o mesmo tema encontram-se também inúmeras referências à obra do historiador Richard Pipes que se intitula precisamente “Propriedade e Liberdade”. Os sites citados são brasileiros, mas também em Portugal existe quem se ocupe deste problema, que vai muito mais além do direito de ser dono de coisas. De facto, quando a Humanidade saiu da pobreza inicial, quando alguns indivíduos começaram a criar e produzir novas coisas, desde logo se pôs o problema de saber a quem pertencem esses bens, se a quem os produz ou se à “comunidade” (seja lá o que isto for). Esta é uma questão que continua em debate, sendo disto prova a continuada existência do roubo, sob as várias formas que ele assume e que nos dispensamos de enumerar.
A condição essencial
Sobre a matéria, Alexandre Herculano não tinha qualquer dúvida:
“A liberdade pode facilmente ser teoria, pode ser doutrina proclamada na constituição de qualquer país; facto, realidade, só o pode ser onde a maioria dos cidadãos possuam com que serem independentes.” Herculano transmite uma ideia corrente no século XIX, a liberdade é impossível sem propriedade. De facto, como seria possível o direito à expressão escrita de opinião se não houvesse tipografias privadas, assim como tudo o que está a montante do trabalho tipográfico?
Por ilógico que pareça hoje em dia predomina uma ideia contrária. A propriedade, ao tornar os indivíduos economicamente diferentes, supostamente rouba a liberdade de alguns em favor da liberdade dos outros. A propriedade é inimiga da liberdade, quando na realidade, a propriedade pode ser inimiga da igualdade, palavra que se pretende ser equivalente a liberdade. Portanto, dizem eles, há que destruir o direito de propriedade, ou pelo menos circunscrevê-lo. Em matéria de propriedade é essa hoje a diferença política entre esquerda (destruir) e direita (circunscrever).
Aparentemente o indivíduo seria tanto mais livre quanto menor fosse o seu direito a possuir propriedade. Se o assunto fosse enunciado com esta clareza o absurdo seria patente. Como quase todas as ideias absurdas ele é enunciado de uma forma implícita mais ou menos equivalente ao seguinte: “o indivíduo é tanto mais livre quanto menor for o direito de propriedade dos outros”. Cada um é levado a pensar que está fora do conjunto dos “outros” e, portanto, é possível reunir maiorias eleitorais que favorecem a expropriação dos bens alheios, diretamente ou através dos impostos.
Nenhum direito se pode exercer sem direito de propriedade. Pensemos ainda no direito a ter um pecúlio de parte para as horas sombrias. Sem esse direito o indivíduo perde a sua condição de trabalhador livre, sujeitando-se aos caprichos do patrão ou, em alternativa, às ordens do sindicato que o “protege” daquele. O que ele nunca será é livre, mesmo que não lhe faltem mordomias. Em 1948, na Assembleia Nacional, discutia-se o problema do arrendamento, e da habitação cuja falta levava grandes empresas a construírem bairros operários no próprio perímetro. O deputado Diogo Pacheco de Amorim tinha disto uma visão pessimista:
“E também nisto há inconvenientes graves, porque, ao contrário do que possa parecer à primeira vista, o operário que tem casa da empresa, clube da empresa, cantina, creche, enfermaria e cinema da empresa não se sente feliz por isso. Todas estas assistências lhe pesam como chumbo, porque são outras tantas grilhetas que o prendem de pés e mãos.”
De facto, perder o emprego é perder também a casa e o restante, tão “generosamente” oferecido pelo empregador. O que é ainda mais interessante, no caso vertente, é que não se trata da falta de direito de propriedade do operário, mas da dificuldade deste em encontrar casas para arrendar nas condições de liberdade do mercado, por causa da violência feita anteriormente aos senhorios.
Mais tarde o operário destes bairros levantou-se contra a empresa, ao som das ordens dos políticos. Com a mesma falta de liberdade teve que votar a nacionalização da empresa e a transformação desta num processo que sugou a economia do País.
O futuro
Assim se passaram os anos, consumindo riqueza que não existia, estando os eleitores e a classe política mais preocupados com as desigualdades e a redistribuição da riqueza do que com aqueles cuja iniciativa, ambição, prudência e capacidade de trabalho poderiam ser motores de criação de mais riqueza. Em vez de deixar correr os atletas, o Estado amarra uma bola de ferro aos pés dos que correm mais depressa, supostamente, para que cheguem todos ao mesmo tempo à meta. Claro que sempre que o mote é a igualdade há alguns mais iguais do que os outros…
Hoje cumprem-se os fados com a ameaça da derrocada da economia mundial. Porém, por todo o mundo — e não menos na China — se compreende a falência das doutrinas que pretendem tirar ao homem o fruto do seu trabalho, e reduzi-lo à condição de servo. Os grandes grupos humanos que se iludiram com a promessa de reforma dourada e de saúde gratuita, que foram incitados ao consumo sem limites e a “gozar a vida”, começam a sentir as consequências dessa ilusão. Porém, mais do que estes, são os jovens a quem o futuro aparece sem perspetivas e para quem a ilusão de uma reforma já nem sequer existe, restando apenas as prestações de uma casa desvalorizada para pagar.
Será esta geração que terá que reconstituir o direito de propriedade ou ver a civilização destruir-se.
Em todo o caso não se acumulem ilusões. A reposição do direito de propriedade tenderá a ser seletiva e a favorecer os grupos de maior influência. Perante a falência do modelo económico estatista em que vivemos tem-se alevantado uma pequena multidão de liberais à espera da sua oportunidade. Ou como disse alguém com apropriada ironia, “havia aqueles que já serviam a Nação e aqueles que estavam desejosos de servi-la”. Porém, nenhum estado jamais se guiará por um princípio de justiça, procurar-se-á apenas deitar remendo nos problemas mais flagrantes. A luta pelas liberdades e pela civilização é uma luta permanente, a cada esquina se encontra uma multidão de oportunistas disponíveis para confiscar a riqueza que outros produziram. Muito a propósito citemos Leão XIII:
“Mas uma condição indispensável para que todas estas vantagens se convertam em realidades, é que a propriedade privada não seja esgotada por um excesso de encargos e de impostos.” [Rerum Novarum]
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