Os Caminhos da Salvação:

quem perde é quem tem

 

Artur Soares Alves

2-Mai-2013

 

 

Pode hoje em dia falar-se de crise económica e financeira sem se temer aqueles ataques soezes e concentrados que, no tempo atual, substituem a velha censura dos coronéis reformados. Hoje pode dizer-se publicamente que o Estado se endividou, que os bancos se endividaram perigosamente e que as famílias se endividaram. Até se reconhece que um tal nível de endividamento serviu para manter uma ilusão de bem-estar económico artificial.

 

Isto reconhece-se porque os credores entraram em “estado de alerta” e subiram as taxas de juro para valores incomportáveis. Foi o choque com a realidade, e não o estudo honesto, o que forçou os políticos e os tenores da comunicação social a admitir que a situação é incomportável. Onde há desacordo é no modo como se sai desta quase bancarrota. O que não espanta pois que o País é governado pelas mesmas pessoas e as mesmas ideias que levaram ao endividamento.

 

Não se paga?

 

A situação é de tal modo grave que o País teve que ceder uma parte da sua independência ao Fundo Monetário Internacional e à União Europeia, sujeitando-se a ver as suas opções financeiras condicionadas à vontade destes organismos. Este é o preço de continuação dos empréstimos que permitem ao País viver o seu dia-a-dia. Esta cedência de soberania levou ao desenvolvimento de uma espécie de nacionalismo que pretende rejeitar os  diktats da Troika mas sem que seja explicada qual é a consequência para a vida dos Portugueses.

 

A possibilidade do  default ou não-pagamento está sempre presente mas há uma posição intermédia que merece ser examinada. Na sua forma mais primária diz-se que o povo não tem que sofrer restrições porque foram os governos, quiçá burgueses, que contraíram os empréstimos. Como estas posições são apresentadas por personagens como Garcia Pereira, tende-se a não lhes dar o devido valor.

 

Todavia, é certo que os Portugueses beneficiaram de forma muito desigual com os empréstimos que os governos obtiveram no exterior. Para se conseguir um mínimo de justiça ter-se-ia que saber como foram gastos os empréstimos. O mais natural é que se tenham destinado a fomentar o consumo, a financiar obras não-rentáveis, a alimentar alguns aspetos do estado social. Ora, muitos milhões de Portugueses em nada beneficiaram com este tipo de políticas financeiras. A política de ilusões assim fomentada pode mesmo tornar-se perniciosa pelos custos que tem quando chega ao fim, e se uma coisa não pode subir sempre, um dia terá que descer.

 

Portanto, alguma razão tem Garcia Pereira nas suas declarações embora se preveja que os resultados de uma análise rigorosa não sejam o que ele espera.

 

Chipre

 

Chipre paira sobre os países endividados como um avejão de mau agouro. Os depósitos bancários acima de cem mil euros foram parcialmente confiscados, como foi noticiado. Entretanto disse-se que a medida seria excecional, porém, notícias mais recentes mostram que as medidas tomadas em Chipre podem se tomadas noutros lugares. Segundo o  PúblicoO ministro das Finanças da Alemanha, Wolfgang Schäuble, considera que as condições do resgate financeiro ao Chipre, para que irão contribuir acionistas, credores mas também grandes depositantes dos principais bancos, deve servir como modelo para o futuro.

 

O que se deduz é que os países que dão cartas na União Europeia vêm no processo cipriota uma maneira de resolver, ou atenuar, a crise provocada pelas dívidas dos estados. Ontem foram os depósitos superiores a 100 mil euros. Muita gente fica descansada porque em Portugal há mais dívidas do que poupanças, mas amanhã serão os depósitos superiores a 10 mil euros, ou a 5 mil, ou a mil…

 

Quem perde é quem tem

 

Uma decisão como aquela aplicada a Chipre não nasce do zero. Antes disso ela foi discutida como hipótese de trabalho em círculos restritos e em trabalhos académicos ou para-académicos. Vale a pena mencionar uma publicação de 2011, do Boston Consulting Group. Falando da crise da dívida que assola os países desenvolvidos, tecem-se várias considerações sobre as realidades destes, “Os países da periferia perderam competitividade comparados com os países do Norte da Europa, nomeadamente a Alemanha. Uma pré-condição para reduzir a sua dívida seria a capacidade para gerar um excedente comercial o que exige uma significativa (e dolorosa) redução do custo unitário do trabalho”. Em Portugal, foi a consequência muito previsível das reformas educativas que nos transformaram num país de doutores.  

 

Segundo a tese dos autores, a situação dos países endividados fica sustentável se a dívida das famílias, das empresas e do Estado, cada uma delas, não ultrapassar os 60% do PIB. Isto é, a dívida total do país se situar em 180% do PIB (página 5). Ora, para reduzir as dívidas tem que se pagar uma parte destas e perante as dificuldades dos devedores, alguém terá que pagar.

 

Esse alguém serão os credores através de perdões parciais da dívida. A estes juntam-se os países do Norte e as poupanças (dos cidadãos que poupam) dos países endividados.

 

Já voltaremos a esta questão mas agora vamos ver que mais ideias se seguem. Esta operação financeira traz naturalmente uma redução na independência financeira dos endividados. O compromisso de não ultrapassar os 60% na dívida (por setor) será controlado pela União Europeia. E a falha no cumprimento leva ao aumento de impostos no país incumpridor (claro que só para quem paga impostos).

 

É aqui que vale a pena refletir naquilo que se prepara e nas suas evidentes contradições. É preciso esclarecer quem foram os beneficiários da dívida do Estado. Suspeita-se que esta foi criada para cobrir os défices da empresas públicas e de empresas subsidiadas, que foi usada para obras públicas sem utilidade, enfim, a dívida sustentou políticas desastrosas. Uma parte seguramente foi-se em despesas “sociais”.

 

Do outro lado estão os produtores, aqueles a quem compete pagar impostos e as coimas que o Estado generosamente aplica por razões de  lana caprina. Estes, não pondo o seu futuro nas mãos de outrem, constituíram poupanças a que agora se pretende fazer mão baixa. O Estado tem a força do seu lado, mas não tem a razão. Não podemos ignorar a realidade de que uma maioria apoiou e beneficiou das políticas de endividamento que agora serão pagas pela minoria que nada beneficiou com esse endividamento.

 

Será que um Estado que não consegue privatizar a TAP, que continua a financiar os ordenados que a RTP paga, será que esse Estado tem alguma moralidade para expropriar os bens da minoria produtiva e cumpridora?

 

A polémica recente

 

O ambiente mediático aqueceu no último mês com a questão dos erros num artigo muito citado a propósito das dívidas soberanas. Os do costume vieram logo dizer que esse erro era prova do erro da atual política de “austeridade”, etc. Valer a pena lembrar o conjunto dos factos.

 

Em 2010 dois economistas conhecidos, Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff, publicaram um estudo intitulado  Growth in a Time of Debt. Nesse artigo fazia-se o estudo de vários casos de dívida e estabelecia-se uma correlação com o crescimento do PIB dos respetivos países. A conclusão mais importante é a de que uma dívida ultrapassando 90% do PIB tem correlação com um crescimento económico fraco. Daqui muitos políticos e outras personalidades influentes tiraram a conclusão de que para ter uma economia sã e crescendo bem era necessário pagar as dívidas.

 

Porém, acontece que em Abril de 2013 um novo artigo por Ash e outros,  Does High Public Debt Consistently Sitiffle Economic Growth, veio trazer a público um erro (de resto elementar) nos cálculos de Reinhart e Rogoff. Estes fizeram um erro numa das suas fórmulas em Excel. Escrevendo AVERAGE(L30:L44) em certa altura em vez de AVERAGE(L30:L49), deixaram de fora a Bélgica, um contraexemplo essencial, segundo o  Washington Post. A metodologia também é criticada.

 

Compreende-se que o erro no EXCEL tenha sido uma bonança para um grupo importante e vocal da sociedade portuguesa. Estava provado o disparate das políticas de pagamento da dívida. Mas não foram somente Reinhart & Rogoff a escrever sobre os problemas da dívida elevada. Também Cecchetti, Mohanty & Zampolli chegaram às mesmas conclusões de Reinhart & Rogoff, mas esse grupo vocal contrapõe o silêncio à aclamação com que foi recebido o artigo de Ash.

 

Dívida pública sempre a houve e foram inúmeras as circunstâncias em que os devedores não pagaram. Foram os próprios Reinhart & Rogoff a escrever um livro sobre o assunto, ironicamente intitulado  This Time is Different e que cobre 8 séculos de dívidas soberanas. O problema é que Portugal precisa da continuação dos empréstimos para manter um nível de vida próximo daquele a que se habituou. E quem pensa assim está nas mãos de quem empresta.

 

Reinhart & Rogoff responderam aos seus críticos num artigo do New York Times.

 

A “Bruxa” alemã

 

Pois que estamos a falar no assunto concluamos com uma nota sobre a pessoa que mais se culpa por não tirar as castanhas do lume em nosso nome, a Chanceler alemã. Cuida a parte devedora e vocal que a Senhora em questão detém superpoderes e que pode de um momento para o outro resolver todos os problemas económicos da Europa.

 

Porém, se assim é, torna-se perigoso desfeiteá-la não vá ela lançar a sua fúria sobre nós. O que se sugere é que se envie a Berlim uma tuna fazer-lhe uma serenata sob o balcão da Chancelaria. Talvez se consiga conquistar-lhe as boas graças cantando a Rendilheira, uma bonita canção do Minho.

 

Pelo contrário, nunca o vinagre apanhou moscas.

 

 

FIM

 

 

  
 
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