Os Problemas do Condomínio

 

Artur Soares Alves

22-Mai-2014

 

 

O programa Sociedade Civil (da RTP 2) tratou recentemente dos problemas que surgem e se avolumam no respeitante aos condomínios. Ao obrigar os Portugueses a comprar a habitação — sem ter em conta as suas conveniências — o Estado obrigou-os também a viver em condomínio na grande maioria das vezes. E embora há muito que as famílias portuguesas estivessem habituadas a viver em prédios de vários andares, a passagem para um sistema de compropriedade não é um processo fácil, nem isento de conflitos.

 

Até 2013 as organizações de proprietários estavam centradas no problema do congelamento das rendas, não havia tempo nem disponibilidade para examinar outros problemas que afetam a propriedade urbana. Entre estes problemas estão os que emergem do facto de a propriedade dos prédios estar dividida em pequenas partes e dos problemas de gestão comum que daí advêm. Na vida das famílias entrou uma outra personagem que dá pelo nome de condomínio. É uma pessoa coletiva cujas ações são determinadas por votação maioritária mas que, nem por isso, sempre agradam a grupos importantes de condóminos.

 

O assunto em que mais se fala são as dívidas ao condomínio. Por motivo de necessidade, ou simples atitude de free-rider[i], alguns condóminos deixam de pagar a sua parte nas despesas. O resultado é a degradação das partes comuns e, com alguma frequência, elevadores desligados. As situações desiguais no edifício têm diferentes consequências, aos residentes no primeiro andar o elevador pouca falta faz, para os do quinto é uma tragédia. Em todo o caso, as dívidas são matéria fácil de regulamentar e a lei permite agir com firmeza perante esses casos.

 

As questões mais graves são de outra natureza. O condomínio faz viver em comum famílias de princípios e culturas diferentes. Estas diferenças culturais provocam choques de comportamento e ofensas compreensíveis. Há o vizinho que fuma no elevador porque lhe parece evidente que não tem sentido apagar um cigarro só para descer do quarto andar ao rés-do-chão. É certo que há uma lei sobre esta matéria mas, na ocorrência, é uma lei impossível de aplicar. Em contrapartida, há o ex-fumador ou o vizinho com problemas respiratórios ligeiros a quem entrar numa cabine com fumo de cigarro é muito penoso.

 

É claro que o condomínio pode votar a aplicação rigorosa da lei e a proibição de fumar no elevador, mas o alvo da proibição tende a pensar que uma maioria (por vezes 1/3 das frações ou menos) está a impor um capricho. Na melhor das hipóteses faz-se pesado, continua com os seus hábitos e, se confrontado, nega. O fumador é apenas um pormenor; há também os barulhentos, mas aquilo que é barulho para alguns, para outros é apenas a expressão de alegria de viver. O rol poderia estender-se sem parar porque, quando dá para o disparate, a imaginação é infinita.

 

A experiência mostra que basta uma família disfuncional para transformar a vida no condomínio num inferno. Por este facto é que, há anos atrás, uma família montou um negócio de extorsão que consistia em dar o sinal para um apartamento e depois surgir em todo o seu esplendor de comportamento antissocial. Só restava ao vendedor indemnizar a família no valor do sinal ou ficar com o prédio por vender; enquanto eles partiam para dar o mesmo golpe mais adiante. Estes acontecimentos são sabidos porque acabaram em tribunal.

 

Porém, na verdade ninguém pode escrever com todos os esses e erres o que é um comportamento permitido. Todos nós conhecemos pessoas cujo comportamento não as recomenda e a nossa natural reação é afastarmo-nos delas. Para isso não são necessários regulamentos, nem queixas na polícia. As pessoas tenderão a juntar-se com pessoas com quem têm afinidades. Porém, num prédio em condomínio a convivência é-nos imposta.

 

O problema não é novo. Quando o arrendamento era a forma normal de ter habitação, os senhorios procuravam selecionar os inquilinos de forma a garantir a homogeneidade de comportamento que assegurava a boa paz. Inquilinos rufiões, vizinhas linguarudas e intriguistas, eram de fugir porque quando entravam no prédio acabavam por despejar os outros inquilinos. A situação de inquilino tinha esta vantagem, quando se não gostava da vizinhança era só procurar prédio com melhor vizinhança. O problema resolvia-se espontaneamente e nem havia oportunidade para reportagens no telejornal sobre a “discriminação” de outras culturas, etc, etc…

 

Por mais voltas que se deem e por mais truques de palavras que se procurem o facto que permanece é que a boa paz no condomínio resulta essencialmente da homogeneidade cultural. Nos setores mais ricos da sociedade a homogeneidade financeira e a homogeneidade cultural estão geralmente a par. Porém, à medida que vamos para soluções mais baratas, a diversidade cultural começa a manifestar-se. Os conflitos entre vizinhos aumentam em número e em intensidade.

 

Não podemos negar que a mudança modelo de habitação, de mais a mais imposta de cima, tem forçosamente de criar sérios problemas. Não houve tempo para a necessária evolução cultural, nem sequer é evidente que esta mudança de modelo de habitação fosse desejada pelos Portugueses. Em todo o caso, não houve escolha.

 

Porém, o mal está feito e agora é preciso emendar o que for possível de emendar e no resto suportar os erros. Em todo o caso, há de haver muitas famílias que, por uma razão ou outra, estão desejosas de mudar de casa mas não conseguem vender a habitação atual. É aqui que o mercado de arrendamento surge com toda a sua flexibilidade. Uma possibilidade é dar de arrendamento a casa atual e arrendar uma outra. Mas para que isto resulte bem é preciso que o Estado se abstenha de cobrar IRS sobre um rendimento que não é real, assunto que abordaremos num próximo artigo.

 

Para terminar uma observação meramente económica. Se hoje em dia as pessoas não conseguem pagar as prestações de condomínio isso pode dever-se a uma má proporção entre os rendimentos e os custos da habitação. Os prédios de muitos andares necessitam de elevadores que levam a maquia maior nos custos de condomínio. A euforia económica em que se viveu até 2008, até por aqui se vê, não tinha um fundamento sólido.  

 

 

FIM

 

 



[i] Não há tradução exata para Português mas, sem dúvida, neste caso trata-se um borlista que quer viver à custa alheia, e às vezes consegue.

 

 

 

 

  
 
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