A Fundamentação das Decisões Administrativas

 

Jorge Teixeira Lapa

27-Fev-2014

 

 

 

O direito administrativo é o conjunto de princípios e normas jurídicos que regulam as relações no seio da Administração Pública e entre esta e os particulares.

 

Estas relações são muito diversas, mas estão omnipresentes na nossa vida – seja quando se pede uma licença, quando requeremos uma certidão de documento, somos autuados por uma infração, ou quando reclamamos da liquidação de um imposto, estamos a agir protegidos ou condicionados pelo direito administrativo.

 

Este corpo de normas é complexo e díspar e agrupa-se por blocos mais ou menos coerentes com princípios e procedimentos próprios, como sejam o funcionalismo público, o urbanismo, a edificação urbana, o regime sancionatório – disciplinar ou de ordenação social, etc.

 

Há, no entanto, um conjunto de regras e de conceitos transversais a todo o direito administrativo que os particulares devem conhecer e dominar para saberem como atuar e que direitos e deveres a lei lhes confere quando se relacionam com a Administração.

 

Fundamentação das decisões

 

É essa divulgação que nos propomos efetuar nesta coluna, de forma necessariamente sintética e numa linguagem descodificada, sem prejuízo do rigor indispensável.

 

Falaremos hoje da obrigação legal de fundamentação das decisões administrativas.

 

A lei impõe que as decisões administrativas sejam sempre fundamentadas e que a notificação que é feita aos interessados, deva conter, com a decisão material, os fundamentos de facto e de direito que a justificam.

 

O objectivo da fundamentação da decisão é permitir aos interessados conhecer as razões que levaram a autoridade administrativa a tomar aquela decisão em concreto.

 

Recorrendo a uma conhecida e infinitamente repetida fórmula jurisprudencial, podemos dizer que uma decisão está correta e suficientemente fundamentada quando “um destinatário normal possa ficar ciente do sentido dessa mesma decisão e das razões que a sustentam, permitindo-lhe apreender o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pela entidade administrativa, e optar conscientemente entre a aceitação do ato ou o acionamento dos meios legais de impugnação”.

 

Isto é, a fundamentação serve dois propósitos essenciais:

 

O conhecimento das razões que motivaram a autoridade administrativa a decidir no sentido em que o fez, bem como a melhor compreensão do sentido e alcance da decisão;

 

A perceção do percurso intelectual que levou à decisão, conhecendo-se dos argumentos que a sustentam, com vista a avaliação pelo particular da atitude a tomar face à decisão, em caso de não se conformar com ela – o eventual uso de meios legais de impugnação. Dito de outra forma, pela fundamentação da decisão, o interessado aprecia a probabilidade de êxito numa eventual oposição.

 

Contra o arbítrio da Administração

 

Como se vê, esta obrigação legal é totalmente vocacionada para a proteção dos interesses dos particulares face ao poder de autoridade da Administração, quando divergente daqueles interesses. Vemos igualmente que o dever de fundamentação das decisões administrativas está intimamente ligado ao poder de oposição – impugnação – pelos particulares diretamente interessados na decisão. É, portanto, um instrumento de garantia dos cidadãos contra o arbítrio da Administração.

 

A fundamentação deve, como vimos acima, conter os pressupostos de facto e de direito da decisão.

 

Por fundamentos de facto temos os elementos retirados da realidade factual da vida que interessam à ponderação da situação sob decisão. Serão todos os factos estáticos ou dinâmicos que perante a previsão da lei aplicável, possam interferir no sentido da decisão.

 

Os fundamentos de direito são as normas jurídicas aplicáveis e o raciocínio lógico-subsuntivo que permite afirmar que aquela situação de facto é regulada por aquele conjunto de normas com aquela interpretação jurídica, produzindo aquele específico sentido decisório.

 

Num exemplo prático de um despacho sintético (a fundamentação não tem de ser necessariamente extensa ou prolixa):

 

“A interessada é legítima proprietária do imóvel. O imóvel encontra-se em avançado estado de degradação, constituindo grave perigo para os utilizadores da via pública pelo perigo de derrocada em que se encontra, como consta do relatório dos serviços de proteção civil junto ao processo. Nos termos do artigo 89.º, n.ºs 1 e 2 do DL n.º 555/99, de 16 de dezembro, na redação do DL n.º 177/2001, de 4 de junho, é a interessada intimada a demolir o edificado no prazo de…”

 

O ato administrativo transcrito não está completo, como veremos noutra ocasião, mas contém os fundamentos de facto e de direito que permitem conhecer as razões que estribam a decisão de intimação para demolição do edificado. Nos fundamentos de facto, recorre-se a uma técnica que a lei permite expressamente: a remissão para um documento constante do processo onde de forma mais detalhada se poderá encontrar o itinerário cognoscitivo que permite a conclusão de que o imóvel se encontra em risco de derrocada. A interessada está em condições de compreender o sentido e os pressupostos da decisão e sobre a mesma formular um juízo que a leve a acatar ou opor-se a ela.

 

Por último, como toda a regra tem exceção, a lei exonera a Administração de fundamentar os atos que simplesmente defiram sem reservas, o pedido do interessado, a homologação de deliberações de júris e as ordens de superiores hierárquicos aos seus subordinados em matéria de serviço.

 

 

FIM

 

   

 

 

 

 

 

  
 
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