Avaliação dos Efeitos da Reforma do NRAU. Arrendamento Habitacional

 

Direção da ANP

20-Fev-2014

 

 

 

Elementos quantitativos

 

No período de cerca de 15 meses, compreendido entre 12 de novembro de 2012 (data da entrada em vigor da Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto) e até 31 de janeiro de 2014, os Serviços da ANP acompanharam 4.969 processos de transição para o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU) e atualização de renda, em imóveis dos seus associados com arrendatários habitacionais, dos quais 2.555 em Lisboa e 2.414 no Porto. 

 

Em 4.174 processos (84 % do total) o arrendatário invocou um Rendimento Anual Bruto Corrigido (RABC) inferior a 5 vezes a Retribuição Mínima Nacional Anual (RMNA).

 

Destes, 1.377 arrendatários (33 %) enquadram-se no escalão de rendimento mensal até 499,99 euros a que equivale uma renda de casa de 10 % desse valor; 2.671 arrendatários (64 %) no escalão de rendimento mensal entre 500,00 euros e 1.499,99 euros a que equivale uma renda de 17 % desse valor; 126 arrendatários (3 %) no escalão de rendimentos entre 1.500,00 e 2.829,00 euros (cerca de 5 RMNA) a que equivale uma renda de 25 % desse valor. De notar que, nestas situações de rendimento mais elevado, quase sempre, 1/15 do Valor Patrimonial Tributário (VPT) é inferior ao valor encontrado pela percentagem aplicada ao RABC, pelo que, prevalece a alínea a) do ponto 2 do art.º 35.º do NRAU: O valor atualizado da renda tem como limite máximo o valor anual correspondente a 1/15 do valor do locado.

 

A média do valor da renda mensal atualizada, referente a processos acompanhados pela ANP, situa-se nos 131 euros, em Lisboa e 116 euros, no Porto, sendo que, segundo o Censos de 2011, de um total de 794.465 arrendamentos, existiam 257.299 rendas inferiores a 100 euros, das quais 94.200 eram inferiores a 50 euros e 54.950 eram mesmo inferiores a 20 euros.[1]

 

Apesar da reforma e mercê, principalmente, da salvaguarda de 10 % do RABC do arrendatário com rendimentos mensais até 499,99 euros, sobrevivem muitas rendas inferiores a 50 euros.

 

De notar que a ANP aconselha os seus associados a não propor uma renda superior a 1/15 do VPT e, no caso dos arrendatários com idade inferior a 65 anos, aconselha sempre um prazo de 5 anos, tendo havido bastantes acordos quanto à renda futura.

 

Numa lógica de pedagogia, a ANP recomenda aos proprietários em geral e aos seus associados em particular, não criar situações de insegurança junto dos arrendatários, desenvolvendo todo o processo de forma legal, clara, sem pressas e sempre com respeito recíproco, não sendo poucas as situações em que o proprietário optou por não avançar com o processo de atualização de renda, por diversas razões: ou porque se dão muito bem com os arrendatários, conhecendo-se desde a infância, ou porque os arrendatários nunca pediram obras e fizeram sempre a manutenção da casa, ou sabendo o proprietário que o arrendatário é idoso, tendo também sempre existido uma relação cordial e com conhecimento dos seus parcos rendimentos, deixa ficar a situação inalterada, não iniciando o processo de passagem para o NRAU e atualização de renda. Não é um nem dois casos. São vários.

 

Objetivos cumpridos

 

Em relação ao arrendamento habitacional os objetivos da reforma estão a ser cumpridos.

 

As reações dos arrendatários demonstram que os aumentos reais se situam muito abaixo daquilo que eles antecipavam em função das atoardas e de certa propaganda alarmista, pelo que são aceites pacificamente, diríamos até, com certo alívio.

 

Na realidade, as disposições da Lei beneficiam largamente os arrendatários, em detrimento de uma solução que se pretendia mais equilibrada e isto porque se torna difícil incluir no RABC o rendimento de todos os habitantes de um mesmo fogo pelo que, o valor do RABC certificado pela Autoridade Tributária (AT) corresponde apenas, em muitos e comprovados casos, a uma parte da receita dos usufrutuários da casa.

 

E que dizer da proliferação de arrendatários com rendimento (devidamente certificado) “zero” ?

 

Como se fosse possível viver sem rendimentos…

Em função dos elementos quantitativos apresentados, fácil é verificar que a maioria das novas rendas dos contratos anteriores a 1990, corresponde no mercado, ao preço não de um apartamento mas de um quarto…

 

Dificuldades ou carências

 

Estando apenas em causa a passagem dos contratos para o NRAU e a atualização da renda em função do VPT, os senhorios têm-se confrontado com algumas respostas que incluem despropositadas exigências de obras, fazendo depender de tal a concordância ao que é legalmente proposto.

 

Nestes casos e perante a intransigência do arrendatário em não liquidar a nova renda atualizada, os casos seguem para contencioso.

 

A ANP não tem conhecimento de situações em que o senhorio tenha anuído a indemnizar o arrendatário pelo valor médio da proposta e contraproposta.

 

Igualmente não tem conhecimento de algum associado ter anuído a indemnizar o arrendatário por “obra licitamente feita”, apesar de o contrato prever o não direito a indemnização.

 

A falta de decoro de alguns arrendatários conduziu à denúncia do contrato e simultânea exigência de quantias referentes a “benfeitorias” em valores mais elevados do que o total das rendas pagas desde o início do contrato, há 40 anos.

 

Não tendo surtido efeito a tentativa de enriquecimento ilícito à custa do senhorio e tratando-se de arrendatários que já não necessitavam do locado, por entretanto terem ido residir para habitação própria e reterem a casa apenas na esperança de uma indemnização choruda, perante a recusa do senhorio, acabam por entregar a casa, não sem antes, em vários casos, a vandalizarem, principalmente ao nível da instalação elétrica, torneiras, louça sanitária e armários da cozinha.

 

O coeficiente de localização, ao poder situar-se num leque alargado, que vai de 0,4 a 3,5, numa exagerada relação de 1 para quase 9, coloca por vezes o VPT de muitas habitações em valores excessivamente elevados. Estes valores, significam que a renda de um mesmo fogo, tanto pode valer 400 euros, como 3.500 euros, o que constitui um nítido desfasamento em relação aos valores de mercado, pelo que se sugere o encurtamento desse leque e o regresso aos valores iniciais do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) com um leque encurtado entre 0,4 e 2,00.

 

Reabilitação

 

Só com rendas atualizadas se pode reabilitar o parque imobiliário. É insensato imaginar que se pode exigir ao proprietário a reabilitação, ou até a simples conservação e manutenção, auferindo rendas desatualizadas. Os empreiteiros encarregam-se de atualizar os preços das reparações e chamá-los à realidade.

 

Terá sido muito cómodo para os arrendatários de longa permanência liquidarem todos os meses, ao longo de dezenas e dezenas de anos, uma quantia pouco mais que simbólica. O efeito está à vista de todos: só os “cegos” não o conseguem ver.

 

Não temos dúvidas de que é premente reabilitar. Mas só com ovos se conseguem fazer omeletas!

 

Dê-se um tempo, para os proprietários urbanos conseguirem reunir fundos suficientes que lhes permitam fazer frente à tarefa ciclópica que se avizinha.

 

Novos arrendamentos

 

Aos poucos e poucos vai-se criando um verdadeiro mercado de arrendamento, assim fomentando a mobilidade da população.

 

Em relação às casas devolutas existentes no mercado e destinadas a arrendamentos novos, apesar dos valores das rendas pedidos pelos proprietários serem em média cerca de 25 % inferiores aos praticados em 2007, persiste uma pequena procura, muitas vezes de cidadãos estrangeiros, que não têm possibilidades de oferecer garantias e fiador.

 

Recomendando a ANP um prazo inicial de 5 anos, dada a instabilidade das novas famílias, esse prazo raramente é cumprido, verificando-se uma permanência média de apenas cerca de 2 anos.

 

A estas dificuldades acresce a despropositada exigência do oneroso Certificado de Eficiência Energética, obrigatório desde 1 de dezembro de 2013, até para colocar um simples anúncio de oferta do local.

 

Despejos

 

No período em análise não se verificou o primeiro despejo motivado pelo não pagamento da renda atualizada. Na verdade, a renda indexada maioritariamente, através das “almofadas” de 10 % ou 17 %, ao rendimento familiar, tem permitido aos arrendatários solver os seus compromissos sem sobressaltos.

 

O incumprimento é apenas referente a contratos celebrados já na vigência do RAU e posteriormente do NRAU, cujos valores se situam acima dos 450 euros mensais.

 

Nestes casos, os associados da ANP dispõem do apoio do Departamento Jurídico, constituído por 9 advogados: 4 em Lisboa, 4 no Porto e 1 em Braga.

 

Participação de rendas

 

A ANP exprime a sua posição de discordância quanto à recusa pela AT de aceitação da Participação de Rendas, prevista na Portaria n.º 358-A/2013, de 12 de dezembro, para efeitos de liquidação do IMI em relação à capitalização de quinze vezes a renda anual referente às reduzidas importâncias efetivamente recebidas e não em relação ao VPT do imóvel.

 

Ao fazer depender a aceitação da declaração das rendas referentes a dezembro de 2013 e condicionadas pela indexação ao RABC do arrendatário, da anterior participação entregue em 2012, ainda antes dos efeitos da Avaliação Geral do Património que catapultou o Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) para valores elevados, no entender da ANP, está-se a proceder a uma grave injustiça que vai obrigar os proprietários a pagar mais de IMI do que recebem de rendas.

 

Conforme já foi demonstrado a esmagadora maioria dos arrendatários habitacionais, com contratos anteriores a 1990 e cujas rendas foram atualizadas (muitas até nem sofreram qualquer aumento), ficaram longe do 1/15 do VPT, proposto inicialmente pelos proprietários, dado que os arrendatários invocaram, na sua maioria, carência económica, levando a que a renda fique congelada durante cinco anos.

 

Perante estes factos, afigura-se imperiosa a alteração do procedimento tributário quanto a esta salvaguarda.

 

Prédios de “luxo”

 

A ANP não pode deixar de trazer ao conhecimento da Comissão, solicitando a consideração de todos os membros, para a gravíssima situação criada com a aplicação do art.º 4.º da Lei n.º 55 – A/2012, de 29 de outubro, no que concerne ao aditamento à Tabela Geral do Imposto do Selo.

 

Este aditamento prevê que se aplique anualmente aos prédios com afetação habitacional, uma taxa de 1 % sobre o Valor Patrimonial Tributário (VPT), ignorando a capacidade contributiva dos cidadãos.

 

O proprietário de um prédio habitacional, avaliado fiscalmente em 1 milhão de euros, pagaria 10.000 euros por ano, em Imposto do Selo, uma conta calada a somar ao IMI, calculado entre 0,3 e 0,5 % sobre o VPT, sabendo-se que, usualmente, os municípios aproximam a taxa ao valor máximo permitido.

 

O chamado “imposto sobre casas de luxo” foi criado com a intenção de pôr os proprietários “ricos” a contribuir para a crise; mas a norma ignora completamente a capacidade contributiva dos cidadãos.

Sendo a inveja um argumento muito eficaz, não falta quem fique contente com este imposto que apareceu como a concretização da velha aspiração de os ricos que paguem a crise.

 

Uma questão importante é a definição de prédio habitacional. No Código do IMI (CIMI), define-se prédio (art.º 2.º) incluindo-se neste as frações autónomas da propriedade horizontal, prédio urbano habitacional (art.º 6.º) e segundo a terminologia das Finanças, cada unidade habitacional é um prédio, independentemente de estar, ou não, em propriedade horizontal.

 

O que se verifica é que os imóveis em propriedade total, foram fiscalmente divididos nas respetivas unidades locatícias autónomas e pagam IMI separadamente, unidade a unidade. Daqui se deduz que um prédio urbano é uma fração de edifício em propriedade horizontal ou uma unidade autónoma de um edifício em propriedade total.

 

O conjunto das unidades de qualquer edifício de cinco andares, direito e esquerdo, localizado nas zonas centrais de Lisboa ou Porto, chega facilmente ao milhão de euros fiscal: 10 inquilinos a 100.000 euros por unidade; não querendo isto dizer que, hoje em dia, atinja esse valor de mercado! Muito menos, carregado de moradores. 

 

Perante esta realidade, foi com surpresa que os proprietários de edifícios em propriedade total, receberam as notificações para pagar o Imposto do Selo, fazendo-se notar que, corroborando o que acabamos de expor, essas notificações são feitas unidade a unidade e todas com um valor muito inferior a um milhão de euros, cifra que, obviamente, só se obtém adicionando os vários fogos.

 

A circunstância de se encontrar, ou não, sujeito ao regime de propriedade horizontal implica, no entender da Autoridade Tributária (AT), um tratamento fiscal diferente para cada uma das situações. Quer dizer: perante dois imóveis idênticos, o Imposto do Selo apenas incide, fração a fração, sobre o que não tem propriedade horizontal, independentemente de todas as frações do edifício neste regime pertencerem ao mesmo dono! Ao tratar duas situações iguais de forma diferente, a discriminação operada pela AT afigura-se arbitrária. E, enquanto um proprietário de um edifício, que no conjunto dos fogos tenha um valor fiscal de um milhão de euros está sujeito a este imposto, outro proprietário que seja detentor de 10 ou 20 prédios cujo valor seja de 900 mil euros cada um, não o está, levantando-se um problema de igualdade.

 

Lançar vários cidadãos na miséria

 

Acresce que quase todos os prédios em propriedade vertical são antigos e desempenham uma importante função social, porquanto muitos dos moradores são cidadãos de diminutos rendimentos que, ao abrigo da Reforma do NRAU, usufruem de rendas módicas indexadas aos seus baixos proventos.

 

Na generalidade dos casos a totalidade do valor anual das rendas auferidas não chega para liquidar este imposto, a que há que acrescentar o IMI, obrigando os proprietários a entrar em rotura financeira.

 

Pensava-se que a filosofia subjacente à tributação acrescida, apelidada de Imposto do Selo, das casas com VPT igual ou superior a 1 milhão de euros (200.000 contos em moeda antiga) era o luxo de quem lá mora e não a soma de diversas casas, com valores muito inferiores, residências de terceiros. Puro engano.

 

É certo e sabido que não se trata de habitações luxuosas, não é o contribuinte que lá habita e, na esmagadora maioria dos casos, as rendas auferidas são baixas.

 

Se a intenção era “castigar” o luxo, seria expectável que esta medida se aplicasse às edificações onde ele é mais visível: nas grandes superfícies comerciais, aliás, apelidadas de “catedrais” do consumo ou aos sumptuosos edifícios empresariais e nunca a prédios vulgares, com muitos anos de construção e onde habitam pessoas normais.

 

Convictos que esta iníqua disposição viola princípios constitucionais básicos, a ANP apela à sua urgente revogação, pondo fim às inacreditáveis penhoras fiscais, executadas sobre contribuintes que, embora detentores de património, manifesta e comprovadamente não dispõem de proventos que lhes permitam liquidar tão despropositado tributo.

 

Subsídio de renda

 

Quanto ao subsídio de renda, no ponto 10 do art.º 36.º do NRAU, está previsto que “… o arrendatário pode ter direito a uma resposta social, nomeadamente através de subsídio de renda, de habitação social ou de mercado social de arrendamento, nos termos e condições a definir em diploma próprio.”

 

Essa intervenção, que terá lugar dentro de já menos dos três anos e meio que faltam para finalizar os cinco anos do período transitório, fará com que o Estado assuma finalmente as suas funções e se substitua aos senhorios na involuntária ação socio-caritativa que estes desempenham, ao não receberem pelas suas casas que estão arrendadas, o valor justo, indispensável para cumprir as suas obrigações de manutenção e conservação do locado, pagamento de contribuições e taxas, seguros, etc. e obtenção de uma justa remuneração ao capital investido.

 

Como o tempo passa a galope, é oportuno começar a refletir e apresentar propostas de qual o melhor e mais adequado  modus operandi, pois sabe-se que este é um dos aspetos que mais preocupam os arrendatários, mas também os proprietários, sendo oportuno começar a estabelecer as bases para a resolução deste problema.

 

Debruçando-nos sobre o assunto, três hipóteses surgem:

 

1. o subsídio é concedido ao arrendatário que, adicionando-o ao valor correspondente à sua taxa de esforço, procede seguidamente à liquidação do valor total da renda;

2. o subsídio é dado diretamente ao senhorio, assim complementando a quantia correspondente à taxa de esforço paga pelo arrendatário;

3. o valor do subsídio não chega a ter movimentação mensal, sendo o seu valor anual considerado pela AT, no IRS do senhorio, como despesa do imóvel, sendo integralmente dedutível, se suportável, ao rendimento global do contribuinte.     

 

Entendemos que só o consenso entre os membros da Comissão pode retirar carga dramática a reivindicações e posições intransigentes, garantindo a ANP total empenhamento na identificação e desbloqueio de eventuais dificuldades ou carências da execução da reforma, sugerindo eventuais ajustamentos.

 

Andando se faz caminho!

 

 

FIM



[1] Fontes: INE/Pordata

 

   

 

 

 

 

 

  
 
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