Porto: Gentrificação, Requalificação e Turismo
Carlos Teixeira 21-dez-2017
Gentrificação vem da palavra gentrificar, do inglês gentrify, de gentry, pequena nobreza, em síntese, tornar nobre ou enobrecer. Gentrificação é um fenómeno mundial, geralmente associado a países desenvolvidos ou em vias de desenvolvimento, onde se assiste a uma valorização de um conjunto de ativos imobiliários num determinado quarteirão urbano ou, num sentido mais lato, numa zona urbana. Este processo é usualmente acompanhado da deslocação dos habitantes com menor poder económico para outro local, geralmente periférico, e da introdução de habitantes com maior poder económico.[i]
É relevante referir que Portugal continua, nas últimas três décadas, a registar uma tendência de perda de população nas grandes cidades para as periferias, logo, não estamos a assistir a uma introdução de habitantes com maior poder económico face à deslocação dos habitantes de menor poder económico para outro local mais periférico.
O Porto, segundo dados dos últimos censos entre 2001 e 2011, foi a capital de distrito que perdeu mais habitantes, tal como já tinha acontecido nas duas décadas anteriores de 1981 a 2011. A cidade perdeu cerca de 1/3 da sua população residente. Esta perda populacional deve-se a várias dinâmicas sociodemográficas e económicas mas podemos referir e afirmar que os dois fatores mais relevantes para esta tendência se devem ao envelhecimento populacional, onde mais de 20% tem uma idade superior a 65 anos e a perda de habitantes para as periferias, na procura de soluções habitacionais a que a cidade não conseguiu responder nestes anos.
Esta realidade histórica e social da cidade do Porto reflete-se no estado de conservação dos imóveis e espaços públicos, minimizado, sobretudo nos últimos anos, pela iniciativa privada na reabilitação de imóveis destinados a hotelaria e restauração, assim dando resposta ao fluxo exponencial de turismo. Importante referir que cerca 60% dos imóveis requalificados para Alojamento Local estavam completamente devolutos.
Requalificação da cidade
Os turistas não viajam para se verem uns aos outros. Viajam sim, para viver experiencias únicas, visitar o património arquitetónico cultural tal como a nossa cidade pode proporcionar e, passados cerca de 20 anos da classificação pela UNESCO do centro histórico do Porto, como património cultural da humanidade, toda a cidade tem vindo a melhorar o processo de requalificação, fazendo na generalidade cumprir os princípios do Comité Internacional sobre Cidades Históricas (ICOMOS) para a salvaguarda dos conjuntos urbanos históricos.
Acredito também que projetos como o Porto de Tradição, cujo objetivo é classificar as suas lojas históricas, podem deste modo contribuir para a salvaguarda de mais um conjunto de imóveis, que de outra forma não tinham enquadramento.
Importa ainda referir o papel que a Cidade do Porto, enquanto Capital Europeia da Cultura em 2001, teve na requalificação do espaço publico e que veio alicerçar com mais uma “pedra” o caminho que teria que ser percorrido na requalificação da cidade, assim como reposicionar a cidade nos roteiros de turismo cultural.
Parece-me também evidente que grande parte do processo de requalificação da cidade do Porto nasce do seu centro histórico, extravasando hoje os seus limites geográficos, alavancado pela crescente procura turística do Porto e Região Norte, refletindo-se numa melhoria da sua atividade económica em setores como a restauração, a hotelaria ou o comércio. Hoje, o turismo é um pilar de crescimento socioeconómico, tal como define a Organização Mundial do Turismo, permitindo preservar o património cultural pois o importante é a forma como se gere o crescimento e se usam os recursos gerados por esse crescimento em benefício de mais e melhor requalificação e regeneração urbana.
Podemos dizer hoje que, requalificação e regeneração urbana na cidade do Porto, assim como em outras cidades, passaram de pontuais para sistemáticas. Primeiro, através da iniciativa pública, promovida em grande parte pela SRU – Sociedade de Reabilitação Urbana do Porto – Porto Vivo, em segundo, pela iniciativa privada, que lidera este processo de crescimento, como não poderia deixar de ser. Esta reabilitação é feita pela introdução de novas formas de ocupação urbana e novas tipologias, que por vezes resultam em determinadas opções discutíveis. Contudo, na sua grande maioria, de fácil reconversão sem prejuízo assinalável aos interesses da cidade.
O sucesso turístico
Os processos de reabilitação arquitetónica terão de ser alvo de atenção especial, visando não destruir ou desfigurar os edifícios, assim como as atividades que aí possam estar instaladas, pois foram estes elementos que fizeram, e fazem, uma cidade atraente para aqueles que nos visitam, mas principalmente, uma cidade para aqueles que nela habitam.
Aquilo que nos faz identitários e diferenciadores tem que ser mantido, sob o risco, quase paradoxal, de ser o próprio turismo de massa a destruir o que nos torna únicos.
Será necessária a recusa, de forma intransigente, da cidade do postal ilustrado, de interpretações quase levianas da memória coletiva do Porto Cidade Invicta e suas gentes, ou de forma acrítica, as importações e reinterpretações de conceitos que não aportam valor à cidade.
É normal e desejável, que várias questões se coloquem, tais como: será que a cidade está a sofrer pelo seu próprio sucesso turístico? Se não existisse este crescimento na atividade turística, teria o mesmo desenvolvimento na reabilitação e regeneração urbana? Os portuenses desejam esta cidade ou aquela que existia à 10 ou 15 anos atrás?
A capacidade de atratividade do Porto é hoje bem maior do que há uma ou duas décadas atrás. Nesse contexto, é a ambição para residir de um público jovem, que gostaria de se instalar no Porto, mas que, contudo, continuam a ser forçados a viver em concelhos limítrofes, consequência da condição onerosa de acesso à aquisição de habitação. É de salientar que, só até julho do presente ano, o número de imóveis destinados ao alojamento local cresceu 147%. Acreditando que as “árvores não crescem até ao céu”, é papel de todos pensar uma cidade inclusiva e participada, para todos e para todas as formas de ocupação urbana, que permita também a reversibilidade das intervenções arquitetónicas.
Compete a todos nós, agentes associativos, públicos e privados, encontrar novas soluções financeiras e técnicas que minimizem o processo de gentrificação ou turistificação, pois este é negativo para toda a sociedade.
FIM
[i] Smith & Williams, 2007
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