Jornal de Leiria 12 de julho de 2018

 

Entrevista com o Presidente da ANP

 

 

António Frias Marques

12-jul-2018

  

Daniela Franco Sousa

 

E eis que Portugal virou moda. O País estava preparado para esta realidade?

Ninguém podia prever uma coisa destas e há quem diga que se reuniram condições para a tempestade perfeita. Não se previa que se inventasse o Airbnb, nem que as pessoas, com o maior à vontade, colocassem a dormir em sua casa outras pessoas que não conhecem de lado nenhum. É claro que se não houvesse internet, tudo isto não existia. Também ninguém pensava que viria a acontecer este blackout ao Norte de África, e que todo o turismo que antes se dirigia para a Argélia, Tunísia, Líbia, Egipto, Terra Santa e até para a Grécia (apesar da Grécia ainda captar muitos turistas) viesse para Lisboa. Outra razão para o crescimento de um turismo “alternativo” é o facto de haver muitas pessoas no desemprego. Pessoas que não tinham outro rendimento, e que se agarraram com ambas as mãos a isto. É uma realidade que também nos dá que pensar. Qual é a necessidade de tirar um curso superior para ser condutor de tuk tuk, para servir à mesa ou fazer camas aos turistas? Gerou-se emprego, mas de ocasião. Biscates.

 

Até que ponto o investimento estrangeiro vem resgatar os centros históricos do abandono?

Os centros históricos são diferentes uns dos outros. O centro histórico de Guimarães, por exemplo, é uma joia preciosa. Mas também tem uma dimensão relativamente pequena. O centro histórico do Porto, que é também património da UNESCO, já é outra situação. E se formos para o centro histórico de Lisboa, a situação é completamente diferente. Quando falamos em centro histórico de Lisboa falamos essencialmente na Baixa. E há depois uns bairros típicos, como Alfama ou Madragoa. Saliento que a candidatura da Baixa Pombalina a património mundial ficou bloqueada e não será aceite, porque aquilo que se está a fazer ali é a chamada reabilitação “do pladur”. É tudo a fingir. Na verdade, o que se está a fazer é a destruição da chamada gaiola pombalina, um sistema de construção destinado a proteger as habitações dos abalos sísmicos, e que surgiu depois do terramoto de 1755. A construção inicial não está a ser respeitada.

 

E podemos contar com os estrangeiros para reverter o problema do despovoamento no Interior?

Portugal é dos países da Europa que tem mais casas vagas ou devolutas. Feitas as contas, há cerca de seis milhões de casas, ou seja, há uma milhão de habitações a mais. O drama destas casas vagas – e no centro histórico de Leiria há muitas onde não se mete ninguém – é que só parte do centro está recuperado, ainda falta recuperar muita coisa e é uma tarefa difícil. E no Interior do País, há aldeias inteiras onde já não há ninguém. O País está todo com os pés de molho, à beira-mar, e não vamos pensar que conseguimos empurrar os jovens para o Interior. Não podemos levar a mal que as pessoas queiram instalar-se onde a vida é mais fácil ou onde há mais oportunidades. E as oportunidades de emprego no Interior são escassas.

 

Até os forasteiros se concentram no Litoral…

As coisas têm de ser feitas com as nossas mãos. Os estrageiros jamais virão fazer o que nos compete a nós. Todos os estrageiros que nos procuram, pretendem realizar mais-valias, mais dinheiro para eles. Não tenhamos ilusões nenhumas. Vemos o que fazem os chineses na EDP e o que fazem outros noutras empresas. O investimento estrangeiro é tipo eucalipto: seca tudo a volta. O que se passa no turismo é a mesma coisa. E é lamentável que ninguém tenha notado. Veja-se o caso de Lisboa, onde o boom de turismo é avassalador: a propriedade da maior parte das instalações hoteleiras e de restauração é estrangeira, em muitos casos de franceses; os empregados que servem à mesa nem são europeus, vêm do Bangladeshe, do Sri Lanka e de outras regiões onde a vida é pior, gente que é instalada em apartamentos partilhados por dezenas de pessoas; e os próprios clientes são estrageiros. Que papel está reservado aos lisboetas? Recolher o lixo ao fim do dia.

 

Corremos o risco de ver Portugal descaracterizado?

O centro histórico de Lisboa já está totalmente descaracterizado. A Baixa Pombalina parece a Disneylândia. Porque cada comerciante tenta tornar o seu estabelecimento mais atrativo. Depois aparecem carrosséis, aparece tudo.

 

Que espaço fica reservado aos pequenos negócios tradicionais?

Os pequenos negócios tradicionais, como as mercearias, as livrarias, não têm espaço. A nossa associação faz parte de uma comissão para a classificação das lojas históricas. Em Lisboa, muitas lojas históricas que foram classificadas, entretanto até já encerraram por falta de clientes. Não vale a pena impor uma classificação para impedir o progresso de entrar. É engraçado defender-se a ideia da mercearia, da casa dos cafés. Mas todos nós, quando precisamos de alguma coisa lá para casa, metemo-nos no carro e vamos ao super ou ao hipermercado. Porque o estacionamento nunca falha, porque lá nunca chove e porque quando pegamos nalguma coisa não temos o empregado atrás de nós. Já para não falar nas compras feitas pela internet.

 

Os investidores estrangeiros têm o mesmo tratamento do que aqueles que moram todo o ano em Portugal?

Nem pensar nisso. É lamentável o que tem sido feito por este e por outros Governos. Portugal tem duas portas de entrada. Uma para os cidadãos estrangeiros pobres, que entram e que não são registados em coisa nenhuma, que trabalham arduamente e que são instalados sabe-se lá como. E outra para os ricos. Estamos a ser invadidos por cidadãos estrageiros carregados de dinheiro. Se eu fizer um levantamento superior a dez mil euros da minha conta bancária, tenho de explicar para que quero os dez mil euros. Porque cá existem essas leis. Mas eu gostava de saber por que carga de água aparecem russos, chineses e brasileiros ricos, carregados de notas, e ninguém se incomoda. Aquilo será tudo dinheiro bem ganho?

 

E também gozam de outros benefícios fiscais. 

Quando investem têm muito mais regalias do que nós. Porque os portugueses têm que pagar impostos. Acontece que Portugal acionou acordos com alguns países, como a Finlândia, a Suécia e a França, por exemplo, que dizem que o cidadão é tributado no país onde vai residir. Ora, estes cidadãos ricos chegam a Portugal e usufruem do estatuto de residente não permanente. Com esse estatuto, não são tributados no país de origem e Portugal também os isenta de tributação durante dez anos. O Governo português descobriu uma coisa interessantíssima que é a dupla não tributação. O que tem dado azo a conflitos diplomáticos, sobretudo com os nórdicos, que não estão a achar graça nenhuma. Todos nós pagamos IRS. Por que razão um sueco endinheirado não paga IRS cá nem lá? É de uma imoralidade completa e absoluta.

 

Que vantagens trouxeram os vistos gold?

Vantagem nenhuma. Só uma consequência, que foi fazerem crescer o preço do imobiliário para o dobro ou para o triplo do preço. Artificialmente, os preços foram empolados. Os estrangeiros escolheram casas em sítios emblemáticos, e andares que estavam a valer 200 mil euros passaram de um dia para o outro a ser vendidos por 500 mil. E para quem o dinheiro não custa a ganhar… O problema é que tudo à volta começou a reger-se por essa bitola. E hoje os portugueses têm muita dificuldade em conseguir chegar a imóveis um bocadinho melhores.

 

Estamos perante uma bolha imobiliária?

Daquilo que conheço, não podemos falar de uma bolha imobiliária generalizada. Porque há imóveis, em locais de província, que estão à venda por preços baixos. E também ninguém lhes pega. Mas se falarmos em locais como o Parque das Nações, Baixa de Lisboa, Chiado, Lapa, linha de Cascais, nesses locais há um empolamento de preços que não tem relação com a realidade.

 

Como se justifica que Leiria tenha sido o quinto concelho do País onde o preço da habitação mais subiu? 

O que se passou em Leiria é que os preços praticados estavam muito baixos. Embora Coimbra tenha Universidade e Leiria um Politécnico, o preço de compra e de arrendamento em Coimbra, face a Leiria, é super caro. Além disso, Leiria é uma cidade boa para se viver, com uma paisagem única sobre o Castelo, apesar do Estádio…

 

Que responsabilidade tem a banca neste empolamento de preços?

Por incrível que pareça, a banca continua a emprestar dinheiro para especulação imobiliária. E não sabemos como vai acabar. Perto de oito milhões de habitantes, cerca de 75% da população portuguesa vive em casa própria. E só 15% das casas estão no mercado do arrendamento. Os restantes 10% correspondem a habitação social. O verdadeiro problema da habitação no nosso País está do lado da habitação própria. A maior parte dos condomínios não tem dinheiro, não tem fundos de reserva, e quando há necessidade de fazer obras a sério, de manutenção e de conservação, nunca mais se pinta o prédio, começa-se a ver o tijolo, e é difícil chegar a um acordo entre os condóminos. Muitos deles só fizeram contas à prestação da casa e não têm dinheiro para obras.

 

Quem sai mais lesado com as alterações ao atual regime de arrendamento, senhorios ou inquilinos?

Preparam-se alterações de topo. Não sei se ficarão decididas durante esta legislatura, até porque há vozes muito discordantes na Assembleia da República. Há partidos que querem a abolição do Balcão Nacional de Arrendamento, que é uma estrutura que em 99% dos casos emite uma ordem de despejo dos caloteiros, E, por incrível que pareça, há uma proposta, que é uma ilusão fiscal, que querem fazer crer ao senhorio, que é a redução do IRS ao proprietário que fizer um contrato de arrendamento a 20 anos. Mas quem é que vai querer fazer um contrato a 20 anos? Esquecem-se que o arrendamento é como um casamento, que até pode dar certo durante 20, 30 ou 40 anos, mas para isso é preciso que o inquilino se porte bem. E aí vai-se ajustando a renda. Há também uma proposta de suspensão de despejos durante o inverno, com a qual discordamos.

 

Faz-se política social usando os proprietários. É assim?

Estão a fazer uma proteção desmedida aos inquilinos. Mas estão a perder de vista uma coisa. Em Portugal existem 800 mil contratos de arrendamento habitacional, muitos deles, cerca de 250 mil, são contatos antigos, com idosos. Nestes casos, aceitamos que os idosos paguem uma renda justa e que os deixem lá ficar o resto da vida. São casos diferentes dos caloteiros, que nem pagam renda nenhuma. E também somos contra os despejos cegos. Porque é diferente quando uma situação envolve pessoas doentes ou crianças. Aí o Estado deve ter alguma função, que é para isso que nós pagamos impostos. Por outro lado, quando se fala na requisição das casas devolutas, a Constituição prevê realmente que todos têm direito à habitação. Acho muito bem. Mas também diz que todos têm direito à propriedade. E também diz que a propriedade privada pode ser requisitada, por utilidade pública. E esta é a parte que os governantes se têm esquecido de dizer. Requisitam-me a casa que eu estou a guardar para um neto, para ma entregarem partida, se é que ma vão entregar? Nem me importaria se fosse para receber um hospital, uma escola. Isso é utilidade pública. Mas se for para colocar lá uma família que eu não conheço de lado nenhum, isso é utilidade pública? Quem tem obrigação de fazer isso é o Estado.

 

E o senhorio não é necessariamente alguém com muitos recursos económicos…

Muitas pessoas do aparelho de Estado veem o senhorio como alguém que vive só do arrendamento de casas, pessoas bem postas, ricas. Mas há 600 mil senhorios e cerca de 800 mil inquilinos. E a maior parte dos nossos associados são micro senhorios. Muitos só têm uma casa. Há casos de professores que foram deslocalizados e que arrendaram o seu único apartamento para poderem pagar a casa noutro local. Ter casa significa ter poupanças. Significa que enquanto alguns andavam a divertir-se, outros juntaram dinheiro. Por vezes à custa de uma vida inteira de renúncias. Esta pessoa deve ser acarinhada. Mas não. Continuam a ver os donos de uma propriedade como um alvo a abater.

 

O arrendamento em Portugal é pouco expressivo. Os seguros de rendas podem ajudar a dinamizar este mercado?

Temos um seguro de renda na nossa associação há sete anos. Mas para o acionar é preciso pagar o prémio do seguro de renda. E só se faz um seguro de renda a um candidato a inquilino que dê garantias (tem que trabalhar, comprovar o IRS, ter fiador e rendimentos que sejam o triplo da renda). Não é devassa de dados pessoais, porque o banco também o exige para conceder o crédito. O que se passa é que há muitos inquilinos que não cumprem os requisitos. E no arrendamento não pode haver risco.

 

 

 

 

 

 

 

 

FIM

   

 

 

 

 

 

  
 
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