Alexandre Oliveira Perdigão, notário 17-Nov-2011
Depois de, no artigo inicial, ter tentado dar resposta à pergunta “A função notarial: Quem é e o que faz um notário?”, importa agora imergir um pouco nos atos que se enquadram nessa função, entre os quais avultam os relacionados com testamentos.
Testamento: o que é?
O testamento é porventura o ato mais solene e sensível de toda a atividade do notário. A lei define-o como “o ato unilateral e revogável pelo qual uma pessoa dispõe, para depois da morte, de todos os seus bens ou de parte deles”, não obstante ser permitido que do mesmo constem também, ou apenas, “disposições de caráter não patrimonial” (entenda-se pessoal, nomeadamente a perfilhação, a designação de tutor, a nomeação de testamenteiro ou a revogação do próprio testamento, ou mesmo até de caráter espiritual ou religioso, como é o caso das chamadasdisposições a favor da alma).
É caracterizado pela sua livre revogabilidade ou alterabilidade, não podendo o testador “renunciar à faculdade de [o] revogar, no todo ou em parte”, e ainda por ser um “ato pessoal, insuscetível de ser feito por meio de representante ou”, salvo algumas exceções, “de ficar dependente do arbítrio de outrem”.
Forma e formalidades
Para ser válido à luz do nosso ordenamento jurídico o testamento tem necessariamente de revestir uma forma solene, sendo as mais comuns o testamento público e o testamento cerrado.
O testamento é público quando é “escrito por notário no seu livro de notas”, ou seja, lavrado por instrumento público em sentido lato, e não, contrariamente ao que se é tentado a inferir pela terminologia, aquele cujo conteúdo, depois de exarado, pode ser conhecido por qualquer pessoa. Com efeito, mais do que matéria sujeita a segredo profissional, como o são “a existência e o conteúdo dos documentos particulares apresentados aos notários para legalização ou autenticação, bem como os elementos a eles confiados para a preparação e elaboração de atos da sua competência”, “os testamentos e tudo o que com eles se relacione constituem matéria confidencial enquanto não for exibida ao notário certidão de óbito do testador”. Daqui resulta que, e “salvo em relação ao próprio autor ou seu procurador com poderes especiais” o notário não pode dar quaisquer informações quando ao conteúdo ou mesmo à existência ou inexistência do próprio testamento, seja ele público ou cerrado, sem que seja feita prova do falecimento do testador, em franco contraste com os demais instrumentos públicos que, depois de lavrados, assumem plenamente o seu caráter público, no sentido de poderem ser livremente perscrutados. Por seu turno, “o testamento diz-se cerrado quando é escrito e assinado pelo testador ou por outra pessoa a seu rogo, ou escrito por outra pessoa a rogo do testador e por este assinado” e depois formalmente legalizado, ou aprovado, no dizer da lei, pelo notário, daqui resultando que “os que não sabem ou não podem ler são inábeis para dispor” dessa forma.
Os atos relacionados com testamentos exigem a intervenção de duas testemunhas, a acrescer, obviamente, à do próprio testador.
Especificidades dos testamentos cerrados
Ao contrário do que acontece com os testamentos públicos, que são, como já se viu e ressalvada a confidencialidade, instrumentos públicos em tudo idênticos às escrituras públicas, sendo lavrados nos livros de notas exclusivos dos testamentos e escrituras de revogação dos mesmos, logo, ficando o original sempre arquivado no cartório, no caso do testamento cerrado “o testador pode conservar o testamento cerrado em seu poder, cometê-lo à guarda de terceiro ou depositá-lo em qualquer repartição notarial”. Esta particularidade permite mais uma especificidade na condição dos testamentos cerrados: diversamente do que acontece com os testamentos públicos que, para se considerarem revogados, exigem um ato público, nomeadamente um testamento que mencione, por exemplo, que revoga ou substitui o anterior ou que disponha em sentido diverso deste, ou uma escritura específica de revogação do testamento, os testamentos cerrados podem ser objeto da chamada revogação material ou real, entendida como a destruição ou dilaceração do original do testamento.
Testamento público ou cerrado: por qual optar?
O testamento público, pelo facto de o notário estar obrigado por lei a utilizar, na escrita dos atos, “terminologia […] que, em linguagem jurídica, melhor traduza a vontade das partes […] devendo evitar-se a inserção nos documentos de menções supérfluas ou redundantes”, dir-se-á tendencial, ainda que não obrigatoriamente, condenado a revestir um tom mais formal, quiçá mesmo seco ou frio, ao contrário do testamento cerrado, em que o testador terá liberdade total para o compor à sua imagem e estado de espírito, para lhe dar sentimento.
Arriscaria, por isso, dizer que o testamento cerrado se revela tanto mais adequado quanto maior for a necessidade que o testador sinta de nele expressar, por exemplo, reconhecimento, afeto e outros sentimentos pessoais, ou de, por qualquer motivo, explicar a razão das disposições que haja consignado, ou seja, quanto maior seja a predominância de disposições de caráter não patrimonial. Ainda que essa possibilidade não seja de todo afastada pela figura do testamento público, há que convir que a contingência de este ter de ser redigido pelo próprio notário e segundo as regras legais poderá levar o testador a refrear, mesmo que involuntariamente, a expressão da sua vontade nessas matérias não jurídicas.
Em todo o caso, e porque o testamento cerrado não tem necessariamente que passar pelo crivo jurídico do notário por ocasião da sua aprovação, que é, recorde-se, meramente formal, recomenda-se vivamente que o testador que não disponha de conhecimentos específicos em matéria de direito das sucessões procure, sempre que possível, aconselhamento especializado nesta área antes de se abalançar para a feitura do seu testamento. Só assim assegurará que as disposições nele contidas serão suscetíveis de produzir os efeitos desejados após a sua morte.
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