Artur Soares Alves 26-Abr-2012
O empobrecimento do País deixou de ser um tabu para passar a ser um facto aceite. Acabaram-se os discursos cheios de otimismo[i] enganador que só atrasaram o nosso encontro com a realidade. E a realidade diz-nos que o País empobreceu e, consequentemente, que os Portugueses estão destinados a consumir menos e a consumir produtos de pior qualidade. Porém, há uma diferença profunda entre a pobreza e a miséria. Há uma diferença abissal entre não comer o suficiente para retemperar o corpo, e ter que se contentar com pratos modestos ainda que nutritivos. Há uma diferença abissal entre não ter teto ou viver num apartamento modesto.
Na medida em que existem diferenças de rendimentos na sociedade, por motivos muito diversos, haverá sempre ricos, pobres e os que estão numa posição intermédia. Contudo, esta situação é um facto inevitável e a experiência comunista de acabar com as desigualdades logo se converteu num regime político despótico que criou novas e profundas desigualdades. O que acontece é que os pobres de hoje têm acesso a bens materiais e a informação com que nem a mais alta nobreza do século XVIII poderia sonhar. O acesso a estes bens não resultou das revoluções, nem das manifestações de rua, mas sim dos processos de produção em massa fomentados pela ambição económica, digamos mesmo a ganância, dos empresários.
Portanto, ou adotamos algum dos índices de pobreza, aqui ou aqui, ou fazemos uma distinção simples entre pobreza que é relativa numa sociedade e numa época; e miséria que é absoluta. E olhamos para esta distinção e procuramos as razões para um tal estado de coisas, e analisamos os meios mais eficazes para melhorar a vida de toda a gente. Verdadeiramente a questão não precisa de grandes análises, é a liberdade económica — impostos baixos, direito de propriedade e regulamentação mínima — aquilo que permite o progresso económico e tira os países da pobreza.
A pobreza do País
A pobreza de um país é a pobreza dos seus habitantes. Se um habitante do país A que está exatamente a meio da escala dos rendimentos pode comprar bens que no país B só podem ser comprados pelos ricos deste país, então o país A é mais rico do que o paísB. Todavia, o acesso aos bens de consumo e aos serviços não é tudo o que define o bem-estar das populações. O facto é que, por um processo que não é muito difícil de compreender, o acesso a melhores bens de consumo tem sido acompanhado por piores condições morais de vida, nomeadamente as provocadas pela pequena criminalidade. Parte do que foi ganho em termos materiais é perdido em termos morais.
É esta realidade que tanto assusta, e com razão, a classe média que se habituou a um certo estatuto. Perder rendimento não é somente passar para um apartamento com menos 10 m2 situado num prédio com menos estilo arquitetónico. Perder rendimento pode significar uma nova vizinhança rude e barulhenta e que não paga as prestações do condomínio. Ou a passagem do colégio privado para a escola pública que é um “reprodutor de ignorância” a dar fé a Medina Carreira. Um salto para baixo em termos de rendimento pode significar uma grande queda em termos de estatuto. A opinião corrente sobre as medidas do Governo é, em grande parte, assente neste legítimo temor.
Os problemas da sociedade a que podemos chamar morais não são obstáculos irremovíveis, não são consequências fatais, nem da liberdade, nem da democracia, nem do progresso económico. A sua origem está bem localizada na tolerância que o Estado adotou em relação aos comportamentos disfuncionais e, por detrás, está uma ideologia que acarinha e fomenta estes comportamentos. A consequência fatal é que uma vida normal custa um excesso de dinheiro em termos de bens essenciais. Digamos que a pobreza honrada é impossível em Portugal.
A baixa de rendimentos
Seja qual for a retórica empregue, a verdade é que para Portugal tirar o pé da lama, os rendimentos dos Portugueses, expressos em moeda forte, terão que baixar para se adaptarem à produtividade do trabalho numa comparação internacional. O que é preciso notar é que esse passo não representa nenhum drama, se dado com os ensinamentos do senso comum.
Para exemplificar suponhamos que os salários e pensões em Portugal eram cortados para metade. Todos os serviços que dependem quase exclusivamente da mão-de-obra como a medicina e a educação passariam a custar metade do preço atual, portanto o corte não teria praticamente efeitos nestes setores. Mesmo o preço da bica que incorpora talvez 10% de matéria-prima e 90% de serviço sofreria um pequeno aumento relativo.
De facto o que sofreria um aumento real seriam os produtos importados, que passariam a custar quase o dobro. Porém, os produtos exportados também custariam metade do atual e seriam competitivos no mercado internacional, levando ao aumento das exportações. E certos produtores nacionais fabricariam produtos de substituição das importações, seria natural que a agricultura tivesse algum renascimento. Mesmo com maçãs não calibradas.
Todavia, o essencial da nossa vida não se modificaria. Caberia às grandes inteligências que nos trouxeram até aqui negociar o pagamento das dívidas, internas e externas, com o País contabilisticamente mais pobre. Porém, no caminho de uma solução está o facto de que o dinheiro com que se construiu a utopia do nosso tempo é essencialmente virtual.
Forças de bloqueio
Que vamos empobrecer ainda mais é fatal como destino. O que vai acontecer é que grupos de interesses poderosos vão querer manter o seu nível atual de vida, remetendo para outros um empobrecimento real e não relativo. É o que vemos a acontecer com as greves de setores estatais e para-estatais que têm a economia como refém. É o que vemos acontecer com a proteção a grandes empresas como o caso da EDP, tão vastamente referida a propósito da fatura de eletricidade.
Estas forças de bloqueio fazem parte do problema moral do tempo em que vivemos e é nesse contexto que temos que situá-las. A grande dúvida é saber se um tal problema pode ser resolvido na continuidade das instituições e do sistema político, ou se a via que será imposta aos povos será a da rutura. [i] “Os últimos a entrar na crise e os primeiros a sair dela”. Eis uma frase que merece um lugar na pequena história. |