Reabilitação Urbana

 

Artur Soares Alves

8-Mai-2014

 

 

O Governo publicou um novo decreto-lei (D-Lei 53/2014, de 8 de abril) destinado a fomentar a reabilitação urbana. A sua leitura é muito útil, não somente pelo seu realismo como pelo facto de representar um corte com a doutrina do Estado em matéria de reabilitação urbana.

 

O documento mais significativo em matéria de reabilitação é o decreto-lei 104/2004, de 7 de Maio, que criou as SRU’s (Sociedades de Reabilitação Urbana) e que foi objeto de estudo pormenorizado. A leitura deste documento legal revela qual a doutrina prevalente sobre a condição das cidades, a saber,

 

(1)       que grande parte das cidades se encontrava em estava avançado de degradação (o que se devia ao congelamento das rendas mas isso não convinha dizer);

(2)        que devido à localização central das partes degradadas os prédios aí existentes tinham um elevado potencial de lucro se pudessem ser adquiridos ao preço da chuva; e

(3)       que era pouco rentável reabilitar os prédios para continuarem a ser habitados pelos mesmos inquilinos e com as mesmas rendas congeladas ou quase.

 

Na realidade, o que era rentável era reconstruí-los para vender a bom preço, valorizando também a envolvente, sejam os passeios, as ruas e os estacionamentos.

 

O decreto-lei 104/2004 traduz esta doutrina e procura dar-lhe aplicação. A primeira operação teria que ser a expropriação que, matreiramente, é apresentada como uma necessidade perante a recusa dos proprietários em fazer, não somente obras, mas sim as obras que a SRU entende deverem ser feitas. Afastado o proprietário passa-se à reabilitação que, não estando naturalmente limitada por razões comerciais, permite todos os luxos próprios de uma cidade europeia num país rico. A fase final será a venda, mas neste momento todos os agentes que tinham a lucrar com a operação já arrecadaram o respetivo quinhão e podem deitar as vistas a um novo projeto.

 

Este programa não teve a extensão, nem o sucesso, que se esperavam. Mesmo obtendo os edifícios iniciais por um valor ridículo, as SRU’s acabaram por ser uma fonte de prejuízo. E é este facto que também nos ensina alguma coisa sobre a forma como o Estado trata o cidadão — não há dúvida alguma acerca da injustiça que presidiu à formação e ao funcionamento das SRU’s. Retirar ao proprietário o justo rendimento do seu prédio e a seguir acusá-lo por não fazer obras… poderíamos pensar que são doutrinas próprias de regimes criminosos, verdadeiros párias internacionais, e não de um governo de um País europeu.

 

Felizmente que os propósitos em questão se revelaram um tanto megalómanos. Por isso foi publicada outra legislação sobre reabilitação — bastas as vezes pela pressão do setor da construção — mas sempre sem o sucesso pretendido. Foi assim que chegámos ao presente decreto-lei 53/2014. Já se esfumaram os sonhos de uma vida próspera mais própria da Europa do Norte, mas sem a disciplina e o trabalho destes povos. Este decreto-lei é muito mais realista do quer os seus antecessores — as soluções preconizadas no presente decreto-lei partem de um princípio diferente daquele que dirigiu a política do território nas últimas décadas (do preâmbulo) — e é isso que veremos diante. Todavia, para não desfazer os sonhos que ainda persistem chama-se-lhe “Regime Excecional de Reabilitação Urbana” mas não são as palavras o que determina a realidade.

 

Quem estivesse atento e não tivesse razões para fechar os olhos à realidade reconheceria facilmente que pequenas intervenções nos prédios poderiam melhorar substancialmente a qualidade de vida dos moradores. É certo que o resultado não seria aquele que deslumbra o olhar, mas seria aquele que é real. É certo que são melhoramentos que estão dimensionados para o pequeno empreiteiro, e não oferecem emprego em alta escala e qualificado.

 

O decreto-lei 53/2014 parece reconhecer este facto tão elementar, assim, deixa às partes interessadas a definição dos melhoramentos a efetuar, abstendo-se o Estado de imposições cujo único resultado é encarecer os trabalhos sem trazer qualquer melhoria efetiva à vida dos moradores. Logo no artigo 1º determina-se que o decreto-lei se aplica à reabilitação de edifícios sempre que se destinem a ser afetos total ou predominantemente ao uso habitacional e desde que a operação urbanística não origine desconformidades, nem agrave as existentes, ou contribua para a melhoria das condições de segurança e salubridade do edifício ou fração.”

 

Segue-se uma lista notável de dispensasDispensa de aplicação do Regulamento Geral das Edificações Urbanas (artigo 3º); Dispensa de aplicação do regime legal de acessibilidades (4º); Dispensa de aplicação de requisitos acústicos (5º); Requisitos de eficiência energética e qualidade térmica (6º); Instalações de gás (7º); Infraestruturas de telecomunicações (8º).

 

Enfim, dir-se-ia que se for para melhorar os proprietários podem realizar as obras que entendam. O artigo 9º estabelece um limite compreensível a este entendimento no tocante à salvaguarda estruturalAs intervenções em edifícios existentes não podem diminuir as condições de segurança e de salubridade da edificação nem a segurança estrutural e sísmica do edifício.”O período de vigência deste regime excecional é de sete anos (artigo 11º).

 

O decreto-lei 53/2014 não prevê quaisquer linhas de apoio financeiro à reabilitação urbana. Esta orientação há de ser vista negativamente pelos setores económicos que defendem a realização de obras financiadas pelo Estado como meio de continuação de negócios que se tornaram inviáveis, agora que febre imobiliária arrefeceu. Porém, na realidade, as obras de reabilitação dizem respeito a senhorios e inquilinos, sendo o interesse público manifestamente muito pequeno. E, de facto, as obras têm que ser financiadas por quem delas beneficia, como em tudo na vida. Tudo isto faz parte de um processo de normalização do arrendamento.

 

Poderíamos mesmo dizer que este decreto não traz nada ao processo na medida em que nada impedia o proprietário de proceder a melhoramentos no seu edifício. O Estado nada dá mas também não exige para além do razoável.

 

Numa perspetiva de normalidade é aos proprietários que lhes convém reabilitar para assim valorizarem os prédios e deles tirarem melhor rendimento. Em todo o caso, sabemos que os proprietários estão descapitalizados porque não puderam constituir fundos suficientes para iniciar as obras. Perante esta realidade poderia o Estado constituir-se como fiador de empréstimos bancários, a taxas de juro normais, que possam financiar a reabilitação.

 

Perante a viabilidade do negócio o banco emprestaria, ou não, cabendo sempre ao proprietário o pagamento da dívida e respondendo o prédio pelo cumprimento das obrigações.

 

 

FIM

 

 

 

 

  
 
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