Virtudes Simples

 

Artur Soares Alves

1-Mai-2014

 

 

A lei 31/2012, ao corrigir o congelamento das rendas, veio acabar com injustiças acumuladas do passado. Porém, os senhorios estão em sintonia com os problemas do País e estes prometem ser persistentes. Anteriormente eram as casas com rendas congeladas, agora são as casas vazias. Com o desemprego regista-se a falta de rendimentos das famílias, logo, não há procura de habitação; e com a diminuição do consumo o comércio vai estiolando e fecham as lojas, que ficam como espaços vazios. Por enquanto as casas são ocupadas pelos “velhos inquilinos”, aposentados, aqueles que agora pagam rendas corrigidas. Pela ordem natural da vida, dentro de dez anos, haverá ruas inteiras desabitadas, tal como hoje há ruas inteiras de lojas vazias.

 

Resta aos proprietários urbanos o fraco consolo de hoje sofrerem economicamente em conjunto com o resto da população[i], e não serem vítimas indefesas de leis celeradas feitas de propósito contra eles.

 

Este ano passaram quarenta anos sobre a Revolução de Abril. Quem teve a sorte de viver o suficiente há de recordar-se dos quarenta anos de uma outra revolução, a chamada revolução nacional do 28 de Maio de 1926. Quem assistiu às duas comemorações terá notado que uma coisa têm em comum — a notória fadiga das elites políticas. É certo que em 1966 as comemorações foram mais propagandísticas. As contradições dentro do regime eram resolvidas internamente e raramente vinham a público. Porém, todo o auto-elogio acabava por se resumir às obras públicas do regime que entretanto já levava cinco anos de guerra em África.

 

Nem o 28 de Maio, nem o 25 de Abril se fizeram em nome da liberdade. Isto é, da liberdade autêntica de cada um produzir e guardar para si o fruto do seu trabalho. O 25 de Abril fez-se contra uma guerra interminável que impôs sacrifícios inaceitáveis a duas gerações e que toda a gente, no seu íntimo, dava por perdida. Fruto do espírito da época, trazia consigo a promessa do bacalhau a pataco[ii]. De facto, os primeiros tempos foram de abundância, o Decreto-Lei 217/74 (27 de Maio) elevou desde logo o salário mínimo para 3.300$00[iii], não esquecendo de congelar por “trinta dias” as rendas de prédios urbanos aos níveis praticados em 24 de Abril. Tal como o filho pródigo distribuiu a herança do seu pai.

 

Depois vieram tempos piores e melhores, vieram os fundos europeus e a destruição deliberada dos meios de produção nacionais. É uma história que ninguém escreverá com rigor. Em todo o caso, se não houve bacalhau, houve pelo menos rendas a pataco — também o outro oferecia ao afilhado uma grossa fatia do pão do compadre.

 

Hoje o futuro anuncia-se entroviscado e os Portugueses anseiam pelo líder que conduza o País pelo caminho da prosperidade ou, pelo menos, de uma pobreza decente. Todavia, a espera por um líder é tempo que se desperdiça. Qualquer líder virá para governar de acordo com os seus interesses próprios ou, pelo menos, de acordo com as suas crenças. Os seus interesses próprios e os do setor seu apoiante. Nem pode ser de outro modo.

 

Em matéria de líderes fortes e carismáticos o século XX teve que chegue. Salazar e Franco, na Península. Roosevelt cujas políticas intervencionistas internas e externas levaram os Estados Unidos a participar numa guerra mundial, com 400.000 Americanos mortos. Churchill cuja ânsia de salvar a Polónia dos Alemães acabou por entregá-la a Stalin, juntamente com metade da Europa. E num grupo especial Stalin, Hitler e Mussolini. Vistas as coisas assim é melhor passar sem líderes carismáticos.

   

Os Portugueses farão melhor em cuidar da sua vida cultivando as virtudes simples que abrem caminho à prosperidade sólida e que se resumem a trabalhar e poupar — seja qual for a época. Do que Portugal precisa é de um governo que mantenha a ordem nas ruas e deixe os Portugueses trabalhar. Um governo pesado e intervencionista que prejudica quem trabalha, faz cá tanta falta como uma viola num enterro. É certo que um regime político que sustenta tanta gente improdutiva — e que orgulhosamente se chama a si-próprio redistributivo — tem que retirar a quem produz com que pagar a redistribuição. Assim, quem quiser viver do seu próprio esforço tem que contar com a presença de um Estado sem respeito por quem trabalha — inquinado como está por esse objetivo redistribucionista que lhe assegura os votos.

 

O sentimento de injustiça é necessariamente grande e fará muita gente baixar os braços, dominado por um sentimento de pura revolta. Todavia, nem os produtores (e os proprietários em particular) são capitães da rua que vão disputar as escadas do Parlamento à polícia de choque, nem o puro funcionamento da democracia é suficiente para impor a justiça e a liberdade económicas. A mudança será num longínquo futuro (quem sabe quão longínquo…) que se constrói sem pressa, mas em termos de olhar longínquo decerto que os proprietários dão cartas.

 

Dizia José Hermano Saraiva que a História de Portugal é toda feita da revolta dos pequenos contra os grandes. Para os Portugueses de hoje há de ser revoltante ver tanta gente amesendada ao orçamento, a viver do que os outros produzem. Esta questão faz parte do problema político, isto é, da criação e funcionamento de instituições públicas que não sejam um fator de atrito no caminho da prosperidade. Todavia, isto não é problema simples. Até lá só nos resta cultivar a virtude simples do trabalho honrado mesmo que este esforço não seja compensado como devia, mesmo que este esforço seja alvo das calúnias de quem não precisa de trabalhar.

 

 

FIM

 



[i] Com a parte que sofre. Porque nisto de sofrimento há sempre algumas exceções.

[ii] “Contou-me ele, a propósito do bacalhau, que na I República se dizia dos políticos que faziam promessas para ganhar as eleições, que não tencionavam ou podiam cumprir, que ofereciam «bacalhau a pataco»”. Aqui ou aqui.

[iii] Em 1974 o salário mínimo era 3.300$00 (o equivalente a 16,50 euros) por 12 meses, hoje é 485 euros e por 14 meses. Por aqui podemos ver como a moeda desvalorizou.

 

 

 

 

  
 
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