Balanço sobre a Nova Lei

 

Artur Soares Alves

3-Abr-2014

 

 

No próximo mês de Agosto passarão dois anos sobre a publicação da Lei 31/2012 que ao fim de uma eternidade de congelamento das rendas urbanas permitiu finalmente, já não diremos corrigir a injustiça passada, pelo menos atenuar uma espoliação que se manteve persistentemente para vergonha dos governos e da classe política, antes e depois da Revolução de Abril. Neste momento muitas rendas já estão atualizadas nos termos da nova lei, o que permite efetuar um balanço e pôr em perspetiva o futuro que se desenha.

 

É costume quase obrigatório em Portugal criticar asperamente, mas somente em termos abstratos, os atos dos governos. Com isso o crítico põe-se numa atitude de superioridade que aponta os erros alheios como faltas morais. Correndo o risco de ir contra a corrente o presente autor não consegue descortinar falhas na lei 31/2012, para além daquelas que seriam sempre inevitáveis na correção de uma situação que começou em 1910, se agravou decisivamente em 1914, não foi corrigida em 1948 e assumiu um caráter claramente espoliativo em 1974/75. Cabendo sempre lembrar que — apesar da euforia dos dinheiros europeus e de maiorias absolutas — foi olimpicamente ignorado entre 1985 e 1995. 

 

Com estes precedentes era difícil fazer-se melhor. Há, de facto, alguns labirintos na lei que se devem, ou à tentativa de criar rapidamente um mercado livre de arrendamento, ou à influência de interesses financeiros que investiram em prédios com rendas congeladas[1]. Pondo de lado essas complicações o que fica é o valor da renda fixado em 1/15 do VPT (valor patrimonial tributário) do prédio. Este é o valor da nova renda para os espaços não-habitacionais. Para as habitações foi fixado um teto da renda tendo em conta o rendimento do agregado familiar.

 

Este processo é transitório por cinco anos. Passado este prazo as rendas deverão liberalizar-se, respeitando um prazo suplementar de dois anos. Portanto, a lei estabelece um prazo efetivo de 7 anos para liberalizar as rendas. Este prazo permite ao mercado regularizar-se espontaneamente, permitindo chegar próximo daquilo que é o ótimo coletivo, a saber que cada família possa ocupar a casa que melhor lhe convém, tida em conta a renda que está disposta a pagar. Decerto que não estamos perto do ótimo quando inúmeras famílias têm que somar ao custo da habitação o custo diário da deslocação, perdendo tempo em engarrafamentos e lançando carbono na atmosfera[2]. Nem é ótimo de um ponto de vista coletivo, nem de um ponto de vista individual. Todavia, é essa realidade que ainda temos após quatro décadas em que as pessoas foram forçadas a comprar casa.

 

Não podemos prever como se passará esse processo, o que podemos dizer é que a lei 14/2012 lançou os alicerces para que esse objetivo seja cumprido. A atualização das rendas, corrigindo a escandalosa situação do congelamento, é o fator mais poderoso a ter em conta porque está relacionado com a confiança, aspeto determinante num mercado com contratos a longo prazo como é o arrendamento. A anterior persistência dos governos em negar ostensivamente a realidade das injustiças criadas, as declarações provocatórias de membros do governo, tudo isso incutia medo em qualquer proprietário antes de arrendar a sua casa. É verdade que algumas leis liberalizadoras, o caso mesmo da Lei 6/2006, tornavam os novos contratos equilibrados, porém, ficava sempre como uma sombra a possibilidade de o congelamento e a espoliação voltarem de novo.

 

Em todo o caso, tanto quanto se pode observar a aplicação da lei foi pacífica, contrariando os discursos incendiários que são, hoje em dia, comuns.

 

Os efeitos

 

Há e haverá sempre quem fique agarrado a privilégios arrancados ao esforço alheio, o mesmo acontece com alguns representantes dos inquilinos que só pretendem a defesa de interesses ostensivamente egoístas. Têm estes, por falta de melhor argumento, insistido na falência da lei como motivadora de novos arrendamentos. Nem isso deverá ser efetivamente verdade, mas tendo em conta que somente em fins de 2013 se consolidaram as primeiras atualizações os efeitos da nova lei vão demorar o tempo que levam os diversos agentes a ajustarem-se a uma situação completamente nova.

 

Todavia, nem a situação do País — em grande parte causada pela expansão da habitação própria e consequente endividamento das famílias — permite por ora que os efeitos da nova lei se manifestem. A primeira vantagem do arrendamento é a mobilidade da mão-de-obra, mas a mobilidade desta somente é necessária com a criação de emprego, e a criação de emprego depende da existência de empreendedores. Ora, a situação presente não é favorável ao empreendedorismo, mesmo que se criem cursos sobre esta matéria… O que não é favorável ao empreendedorismo é o clima legal presente com as suas complicações que entravam o desenvolvimento económico. Enquanto a realidade não descer sobre o País — sobre governantes e governados — não teremos razões de esperança. Até lá os desempregados deixam-se estar onde estão, não têm motivo para procurar empregos que não existem.

 

Outra vantagem de um mercado de arrendamento é a regularização dos preços da habitação, o que significa embaratecer os custos. O preço da habitação é um peso no custo da mão-de-obra e, por essa via, prejudica as exportações e o pagamento das dívidas. Só um aumento da oferta permite baixar os preços mas os proprietários também sofrem da mesma ilusão que levou as famílias portuguesas a comprar casas por preços irrealistas. Demora o seu tempo até que a realidade se imponha, o proprietário verifique que não pode cobrar a renda que pretendia e faça contas à vida. Porém, se o governo quiser interromper este processo de ajustamento e introduzir uma maior rigidez do que no passado, só tem que dar ouvidos àqueles a quem só interessa continuar a habitar em casas arrendadas ao preço da chuva. 

 

O mercado livre não é um relógio cujas rodas dentadas se movem ao ritmo que se quer. O mercado livre é a estrutura, essencialmente moral, em que cidadãos livres interagem e trocam os seus bens por outros. Cada um entra neste processo com o saber que tem, com confiança ou desconfiança, cada um seleciona com quem quer relacionar-se, procurando precaver-se de desgostos futuros, como quando os inquilinos não pagam e é preciso esperar 9 meses (em média) por um despejo. É isto o que nos ensina a experiência quotidiana.

 

Na verdade temos que reconhecer que a Ministra Assunção Cristas e depois o Ministro Moreira da Silva souberam lidar com argúcia em relação às táticas destrutivas dos opositores à lei que, fruto da frágil moral reinante, procuravam conquistar na rua as razões que faltavam. É, infelizmente, preciso repeti-lo vezes sem conta mas o certo é que há uma convergência de interesses entre senhorios e inquilinos — interesses que são ditados pelos factos e pouco têm a ver com as personalidades em confronto. A formação da Comissão de Monitorização permitiu estudar e aplanar os conflitos num espírito de colaboração entre partes, permitiu que cada um examinasse os argumentos da outra parte e conseguiram-se consensos, pois que a verdade é que é sempre o vendedor (ou senhorio) quem mais precisa do comprador (ou inquilino).

 

É verdade que com rendas médias de 131 euros (em Lisboa) e 116 euros (no Porto) não há margem para reabilitação urbana, com proprietários descapitalizados e, muitas das vezes, empobrecidos. Todavia, repor a justiça possível é um passo importante numa jornada que se anuncia longa e cansativa.

 

 

FIM



[1] É preciso ter em conta que a maior parte dos conflitos que chegam a público não envolvem o senhorio individual típico, mas sim empresas que compraram estrategicamente prédios (baratos) antes da publicação da lei e que agora procuram tirar o máximo luco dos seus investimentos.

 

[2] Viver nos arredores e trabalhar em Lisboa (ou no centro de qualquer cidade) tem custos para o próprio e tem custos ambientais. Em todo o caso, nunca o problema mereceu às forças vivas o mesmo carinho que as pegadas de dinossauro.

 

 

 

 

  
 
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