Posição sobre o arrendamento

não-habitacional

 

Direção da ANP

27-Mar-2014

 

 

Para tratar com o devido rigor este assunto temos que começar por identificar 3 sofismas que frequentemente estão presentes no debate. De facto, certos pressupostos cuja validade desapareceu continuam a dominar este debate e a impor-se como ideias feitas.

 

Primeiro. Os proprietários não estão desejosos de esvaziar os locais, ficarem sem receber rendas e pagarem o IMI. Basta andar pelas ruas de qualquer cidade e ver as lojas vazias que se seguem umas às outras para ter uma noção do que se está a dizer. A normalização do negócio do arrendamento significa que, como em qualquer negócio, é o fornecedor quem precisa do cliente, é o proprietário quem precisa do inquilino. No passado foi diferente, com a procura de locais para arrendar e as rendas congeladas, a entrega de uma loja era uma bonança para o senhorio. Hoje é uma dor de cabeça.

 

Segundo. A crise não é para sempre, nem a função dos negócios é criar artificialmente emprego. As medidas recessivas tomadas na economia não são um fim em si, elas fazem parte de um processo que visa pôr a economia na via do crescimento. Nem de outro modo seria possível pagar a dívida, nem a austeridade é um fim em si-mesmo. Quanto aos negócios, este existem porque oferecem lucro aos empresários e é desse lucro que são pagos os impostos. Quando os negócios não são lucrativos, os donos fecham-nos. Esperar que os negócios sejam subsidiados, seja pelo Estado, seja pelos senhorios, para manter uma aparência de emprego é irracional pois que seria mais apropriado subsidiar as pessoas diretamente. Querer que um negócio seja mais alguma coisa do que aquilo que é, e querer dar-lhe um alibi social, é o caminho para privatizar os lucros e socializar os prejuízos.

 

Terceiro. A renda é um custo mas existem outros custos, alguns cuja justificação económica é menos racional. Um negócio está sujeito a muitos fatores de custo como o trabalho (e os elevados custos associados), custos inerentes a regulamentação, taxas municipais[i], IVA excessivo, etc. Fazer da renda um fator decisivo é decerto um exagero. É a crise que tem levado ao encerramento de muito comércio e não a revisão das rendas.

 

* *  *

 

O valor da renda corrigida (1/15 do VPT) foi calculado pelo Governo. É difícil, em cada caso, saber se é muito ou pouco. O processo tem um dinamismo próprio que tende a regularizar as rendas, obrigando os senhorios a ajustarem-se aos valores livremente fixados pelo mercado.

 

Para trás ficam décadas de rendas congeladas que representam centenas de milhar de euros de subsídio do senhorio ao inquilino. Estas centenas de milhar nem sequer são difíceis de estimar tendo em conta o efeito da inflação, conforme se vê no apêndice. Talvez seja verdade que alguns comerciantes tenham dificuldade em manter-se no mercado e que, bem vistas as coisas, o congelamento os tenha prejudicado tal como a inação prejudica o atleta que não se exercita.

 

A lei 31/2012 não é perfeita. No contexto de um século de congelamento seria difícil aspirar à perfeição. Uma lei que arruíne os inquilinos também não convém aos senhorios, porém, querer legislar micro-equilíbrios, desconfiando de que os agentes em presença são incapazes de discernir qual o seu interesse, leva a opções negativas. É possível, sem ceder no essencial dos princípios, aperfeiçoar a lei com vantagens para todas as partes. Uma economia próspera precisa de investidores que tragam imóveis para o mercado sem terem que temer a influência de interesses estreitos e egoístas.   

 

A lei é suscetível de crítica. A crítica pode servir para o aperfeiçoamento, porém, a crítica sistemática que procura carrear tantos motivos de exceção quantos os inquilinos que existem é uma forma oculta de trabalhar para a sua revogação. E aí já o Estado lidará com um problema de credibilidade.

 

Porque é imoral pagar o IMI a triplicar

(art.º 112.º, n.º 3 do CIMI)

 

No caso do imóvel estar arrendado, e estar a ser aplicada uma renda equivalente a 1/15 do Valor Patrimonial Tributário (VPT), o pagamento do IMI representa cerca de um mês de renda.

 

No entanto, se o local se encontrar devoluto há mais de um ano, para o que em nada contribuiu o senhorio, o valor do IMI é elevado ao triplo, mesmo que, como acontece quase sempre, o proprietário tenha procedido à procura ativa de arrendatário e fixado uma renda não exagerada e adequada ao espaço e localização do imóvel.

 

O que acontece é que, em face da recessão económica que resulta da austeridade (sem que isto represente um juízo sobre a política seguida) o comércio ressente-se e os estabelecimentos fecham a um ritmo evidente. Triplicar o IMI é fazer cair sobre os senhorios, já privados da renda, os custos de uma política porventura necessária. Persistir neste agravamento do IMI, que por si só já representa um pesado encargo, é de uma imoralidade e injustiça não admissível.

 

Motivos porque não pode haver lugar a indemnização por obras feitas pelo inquilino que denuncie o contrato, independentemente do estipulado no contrato de arrendamento

(art.º 29.º do NRAU)

 

Neste artigo regista-se o direito do inquilino, aquando da sua saída, ser ressarcido dos encargos com obras que possa ter feito no locado, em seu exclusivo interesse, mesmo sem autorização do senhorio.

 

Esta é uma norma totalmente inaceitável, por configurar uma injustiça flagrante.

 

Tratando-se de um arrendamento não habitacional, é evidente que as obras executadas pelo inquilino são as exigidas para desenvolver ou melhorar a sua atividade e o seu custo foi amortizado na respetiva contabilidade.

 

O inquilino que procedeu às obras e instalação dos equipamentos, para além da dedução fiscal que o IRC lhe permitiu, receberia um prémio adicional quando da sua saída, deixando ainda ao senhorio o encargo de as destruir.

 

Recordamos o caso de uma agência de um Banco que, quando denunciou o contrato, deixou ficar no locado uma casa-forte que inutilizava metade de uma cave.

 

Além disso, a maior parte das “benfeitorias” deixadas no local, revelam-se autênticas dores de cabeça para o senhorio.

 

No caso dos restaurantes, cafés, snack-bares e similares, as cozinhas, chaminés e equipamentos de frio abandonados no local, são desprovidos de valor comercial, sucata que seja, pelo que o proprietário ainda vai ter de pagar para libertar o espaço.

 

 

Possibilidade de contratos com maior duração

(art.ºs 51.º e 54.º do NRAU)

 

Verificando-se ser motivo de preocupação para alguns ramos de comércio, a Associação Nacional de Proprietários (ANP) está disponível para debater a possível ampliação, em alguns casos, do prazo de arrendamento não habitacional.  

 

Apêndice

 

Tal como foi mencionado acima vamos dar uma estimativa do valor do subsídio concedido pelos senhorios aos inquilinos comerciais, o qual resulta do facto de o valor das rendas não ter, nem de longe, acompanhado a inflação.

 

·         Partimos de uma renda anual de 100 euros (20 contos) em 1973. Usaremos como deflator o índice de desvalorização da moeda publicado em 2012.

·         A renda de 100 euros passa a 200 euros em 1985, por força de um ajustamento das rendas não-habitacionais. A partir de 1988 as rendas são supostamente atualizadas anualmente pela inflação, situação que se mantém até hoje.

·          Em cada ano o inquilino lucra a diferença entre a renda paga e a renda que deveria pagar se o seu valor fosse indexado à desvalorização da moeda.

 

Com estes pressupostos, o arrendamento contratado em 1973 por 100 euros anuais, beneficiou até 2012 de um subsídio igual a 130.000 euros. Em rigor este processo pretende antes de tudo mostrar que o cálculo é possível e dar uma ideia da grandeza dos valores em causa. Obviamente teria que ser feito para cada inquilino e com valores exatos da atualização das rendas que, no período de maior inflação, andaram sempre abaixo da desvalorização da moeda. Ver tabela abaixo.

 

Alguns inquilinos comerciais têm salientado que realizaram obras nos prédios, fora dos locais arrendados, até mesmo substituição de telhados. Não se nega isso mas é preciso comparar essas despesas com a capitalização proporcionada pelas rendas congeladas. E ainda só se considerou arrendamentos celebrados em 1973, se formos para trás essa capitalização aumenta muito, sempre na proporção do valor da renda.

 

 

Tabela

 

 

 

A

B

C

D

E

F

G

Ano

Coefic

Inflação

Renda paga

Renda indexada

Ganho ano

Ganho

atualizado

1973

43,56

 

100,00

100,00

 0,00

0,00

1974

33,41

30,38%

100,00

130,38

30,38

1.015,00

1975

28,54

17,06%

100,00

152,63

52,63

1.502,00

1976

23,91

19,36%

100,00

182,18

82,18

1.965,00

1977

18,34

30,37%

100,00

237,51

137,51

2.522,00

1978

14,35

27,80%

100,00

303,55

203,55

2.921,00

1979

11,32

26,77%

100,00

384,81

284,81

3.224,00

1980

10,20

10,98%

100,00

427,06

327,06

3.336,00

1981

8,35

22,16%

100,00

521,68

421,68

3.521,00

1982

6,93

20,49%

100,00

628,57

528,57

3.663,00

1983

5,54

25,09%

100,00

786,28

686,28

3.802,00

1984

4,30

28,84%

200,00

1.013,02

813,02

3.496,00

1985

3,60

19,44%

200,00

1.210,00

1.010,00

3.636,00

1986

3,25

10,77%

200,00

1.340,31

1.140,31

3.706,00

1987

2,98

9,06%

218,12

1.461,74

1.243,62

3.706,00

1988

2,68

11,19%

242,54

1.625,37

1.382,84

3.706,00

1989

2,42

10,74%

268,60

1.800,00

1.531,40

3.706,00

1990

2,16

12,04%

300,93

2.016,67

1.715,74

3.706,00

1991

1,91

13,09%

340,31

2.280,63

1.940,31

3.706,00

1992

1,76

8,52%

369,32

2.475,00

2.105,68

3.706,00

1993

1,63

7,98%

398,77

2.672,39

2.273,62

3.706,00

1994

1,56

4,49%

416,67

2.792,31

2.375,64

3.706,00

1995

1,50

4,00%

433,33

2.904,00

2.470,67

3.706,00

1996

1,46

2,74%

445,21

2.983,56

2.538,36

3.706,00

1997

1,44

1,39%

451,39

3.025,00

2.573,61

3.706,00

1998

1,39

3,60%

467,63

3.133,81

2.666,19

3.706,00

1999

1,37

1,46%

474,45

3.179,56

2.705,11

3.706,00

2000

1,34

2,24%

485,07

3.250,75

2.765,67

3.706,00

2001

1,25

7,20%

520,00

3.484,80

2.964,80

3.706,00

2002

1,21

3,31%

537,19

3.600,00

3.062,81

3.706,00

2003

1,17

3,42%

555,56

3.723,08

3.167,52

3.706,00

2004

1,15

1,74%

565,22

3.787,83

3.222,61

3.706,00

2005

1,13

1,77%

575,22

3.854,87

3.279,65

3.706,00

2006

1,09

3,67%

596,33

3.996,33

3.400,00

3.706,00

2007

1,07

1,87%

607,48

4.071,03

3.463,55

3.706,00

2008

1,04

2,88%

625,00

4.188,46

3.563,46

3.706,00

2009

1,05

-0,95%

619,05

4.148,57

3.529,52

3.706,00

2010

1,04

0,96%

625,00

4.188,46

3.563,46

3.706,00

2011

1,00

4,00%

650,00

4.356,00

3.706,00

3.706,00

 

 

 

 

 

TOTAL

130.959,00

 

 

 

Explicação

 

Na coluna B estão os coeficientes de desvalorização da moeda (portaria 401/2012).

 

Na coluna C estão os aumentos do custo de vida do ano anterior para o ano em questão. Por exemplo, de 1973 para 1974,

 

30,38% = 43,56 / 33,41 — 1

 

A coluna D contém a renda paga pelo inquilino que começa a ser corrigida, mais ou menos, pela inflação em 1987.

 

A coluna E contém a renda que devia ser paga se houvesse correção todos os anos (renda indexada). Por exemplo,

 

130,38 = (1 + 0,3038) x 100.

 

A coluna F = E – D contém o ganho do inquilino em cada ano.

 

A coluna G = F x B atualiza este ganho para euros (ou escudos) de 2012.

 

 

 



[i] Só como exemplo. Um letreiro luminoso ajuda a iluminar a rua e cria um bom ambiente à noite. Apesar disso, o comerciante tem que pagar uma taxa camarária que se soma à eletricidade consumida.

 

 

 

 

  
 
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